Por que eu desisti do objetivo de ter uma casa no interior

Comentei algum tempo atrás que eu tinha um objetivo de comprar um terreno e construir uma casa no interior – mais especificamente, em uma região serrana, pois gosto do frio, de estar em meio à natureza e também por questões de saúde (ar puro, fresco etc). Porém, após anos refletindo a respeito desse objetivo, eu desisti dele. Vocês me pediram para compartilhar qual foi o meu raciocínio, então o post de hoje é sobre isso.

Ao desenhar esse objetivo, nos últimos anos eu concluí diversos projetos relacionados, tais como: esclarecer qual seria a melhor região para comprar esse terreno, esclarecer os custos de compra do terreno e obra para construção da casa, guardar dinheiro para compra do terreno etc. Todos esses projetos foram sendo concluídos nos últimos anos tendo esse objetivo em vista.

Ter uma casa na Serra da Mantiqueira, absolutamente um dos meus lugares preferidos do mundo, era um sonho de muitos anos. Acho que eu sonho com isso há pelo menos 12 anos. Sempre alimentei essa vontade de ter uma casa em região serrana, para poder escrever, viver, cuidar das plantinhas, resgatar animais, meditar, enfim, aquela coisa toda que tem tudo a ver comigo.

Com a pandemia, então… nossa, eu fiquei pensando em como seria bom se a gente tivesse um lugar assim para ir, já que ficar se deslocando não seria uma questão. E o desejo veio ainda mais forte, a ponto de eu falar: vou colocar no papel, vamos fazer acontecer. Lá em abril, maio, virou quase uma obsessão.

Queria ter a casa? Claro que sim. Durante essa pandemia, teria sido excelente mudar para um refúgio desses? Não há dúvida. No entanto, existem coisas que, na nossa cabeça, funcionam muito bem mas, quando colocadas em prática, talvez sejam diferentes do que a gente imaginava.

Quando eu tenho um objetivo, gosto de fazer visualizações (geralmente na cama, antes de pegar no sono), imaginando exatamente o momento em que o alcancei. Consigo me ver fisicamente no ambiente, sentir a minha reação e a das pessoas ao redor. Além de prático, é um exercício muito gostoso de fazer (recomendo muito!).

No entanto, ao fazer esse exercício, você pode se deparar com a realidade da concretização dele e perceber algumas questões que talvez não levasse em consideração quando tudo era apenas um sonho ou ideia. Ao fazer a visualização desse objetivo sendo real, sim, eu me vi feliz, sim, acho que seria uma delícia realizá-lo, construir uma casa do zero, do meu jeito. Mas aí caímos nos aspectos práticos, que seriam os seguintes.

O primeiro problema que me deparei seria com relação à disponibilidade para construir no terreno. Em que momento exatamente da minha vida eu conseguiria me dedicar a uma obra, sendo que minhas atividades hoje estão principalmente em São Paulo, onde a coisa toda está acontecendo? Eu não teria como me dedicar a uma obra em outra cidade. “Mas Thais, você também tem a possibilidade de comprar uma casa já pronta”. Sim, falarei sobre isso adiante. Mas, pegando a escritura do terreno em mãos, eu já imaginei o cenário pensando “ok, e agora? pego o documento e volto para São Paulo, deixando o terreno lá? como vou tocar uma obra nesse meu momento de vida, com cursos, doutorado batendo à porta etc.?”

Outro ponto fundamental é que o meu marido é uma pessoa essencialmente urbana. Ele não gostaria de morar “no meio do mato” de forma alguma. Ele gosta de dizer que moraria no centro da cidade, se pudesse. Ele gosta desse “agito”. Já eu prefiro um lugar mais calmo, tranquilo. Alguns amigos me sugeriram buscar um meio termo, morando em uma região serrana perto de São Paulo ou em uma casa mais arborizada que a que moramos. E sim, todas essas são possibilidades. Mas estamos felizes na casa onde moramos hoje. Não é qualquer “problema” morarmos aqui – a ideia da segunda casa seria ter um lugar para alternarmos, especialmente para descansar ou quando eu quisesse escrever.

Outra possibilidade que me veio à mente seria comprar um terreno em uma ecovila. Por ser um meio comunitário, eu teria outras possibilidades legais de compartilhamento de horta e outras questões. Mas, quando fiz o exercício de visualização, imaginando a gente vivendo nesse local, eu percebi que, talvez, dentro do meu estilo de vida, de trabalho, seria incrível. Mas e os meninos? Meu marido gostaria desse estilo de vida? Como ficaria a vida do Paul, com escola e os avós morando em outras cidades? Em resumo: a gente conseguiria curtir esse estilo de vida, ou tanto faz morar lá ou em São Paulo, com as atividades que já temos hoje?

Imagem: Hypeness

Nós tomamos a decisão de ficar aqui onde moramos mesmo e tomar algumas providências para melhorar a nossa experiência na casa. Resolvemos arrumar o quintal, e isso deve nos dar uma sensação maior de contato com a natureza. Eu preciso de um post inteiro para explicar a situação do quintal da nossa casa, e pretendo fazê-lo em algum momento.

O bairro onde moramos é muito arborizado, com um parque no quarteirão de trás. Não descarto a possibilidade de mudar para uma casa com árvores no quintal em algum momento no futuro, mas penso que devemos continuar em São Paulo, por várias razões. E, em termos de estilo de vida, não pretendo ter uma casa grande, enorme. Gosto de ter uma casa que nós mesmos possamos cuidar.

Apesar de São Paulo ter seus problemas, gostamos muito de morar aqui e de todas as facilidades que a cidade proporciona. Eu amo fazer tudo a pé pelo meu bairro, resolver a vida morando perto de tudo. Moramos em um bairro ótimo, perto do Centro, mas com seu charme de bairro, muito arborizado e tranquilo. E, apesar de estarmos em meio a uma pandemia, não podemos esquecer que isso tudo em algum momento vai passar e meu marido, por exemplo, é músico e faz shows em vários dias da semana. Quando morávamos em Campinas, que já é uma cidade perto de São Paulo (90km), era toda uma logística mais chatinha, além da preocupação dele pegando estrada várias vezes. Não tem por que complicarmos isso.

Nós já moramos em bairros mais afastados do centro e não gostamos da experiência. Amamos o bairro onde moramos. Eu não pretendo sair daqui e, se um dia mudarmos, provavelmente será no mesmo bairro ou em um bairro vizinho.

Ainda sobre o terreno e a casa no interior, existiam algumas alternativas. Por exemplo, eu poderia guardar dinheiro mais algum tempo e comprar uma casa já construída (para pular a etapa das obras) ou simplesmente comprar o terreno e começar a construir apenas depois que tudo fosse mais liberado, pós pandemia. A primeira alternativa seria ok, mas eu não vejo muito sentido, porque o grande propósito do objetivo era eu construir uma casa do meu jeito. Não quero ter uma casa na serra “apenas para ter”, mas enfim, claro que eu poderia procurar até achar uma que eu gostasse muito. Vale lembrar que isso encareceria a coisa toda também.

O que realmente me fez mudar de ideia quanto ao objetivo em si foi imaginar eu já tendo a casa pronta, em perfeitas condições. A gente moraria lá? Provavelmente não. Eu pensei na possibilidade de abrir uma pousada com a minha mãe. Ou um camping. Mas isso demandaria morar no local, e eu sei que meu marido não ia querer sair de São Paulo. Não sei se a minha mãe ia querer isso também (provavelmente sim rsrsrs, mas ainda sim demandaria minha família inteira ter que abraçar a mesma ideia, e meu marido não quer, nem o filhote).

Ter uma casa para os finais de semana? Parece ok, mas eu sei que não iria todo final de semana, justamente porque meu marido tem shows, temos outros compromissos. Além do que, compensa isso em termos de investimento? Ter um imóvel com dinheiro parado lá, que nem faz parte da nossa rotina diária?

Aprofundando nos aspectos práticos, vale lembrar que uma casa em região serrana demanda manutenção, como em qualquer outro lugar, mas com suas particularidades. Tem umidade, além de outros fatores. Plantas, horta, tudo. Não dá para ter uma casa simplesmente e deixá-la lá, sem uso. Contratar um caseiro estaria fora de cogitação. Acho muito absurdo eu ter que pagar uma pessoa para cuidar de uma casa que não consigo cuidar nem que tenho tempo de usufruir. É o cúmulo da acumulação desnecessária, ao meu ver. Eu queria a casa pelo estilo de vida que ela representa, e queria morar lá, estar lá, viver lá, cuidar das minhas plantinhas, fazer as reforminhas diárias, limpar a calha, essas coisas. Eu queria curtir isso. Ter a casa apenas para ter nunca foi o meu objetivo.

Eu não sou minimalista, mas sou adepta da simplicidade voluntária. Ter uma casa na serra seria maravilhoso para morar, pois é o estilo de vida que acredito. No entanto, morando em São Paulo, ter uma segunda casa, que nem vamos morar, não faria sentido para mim. Demandaria custos fixos a mais, manutenção a mais, trabalho a mais.

Ainda acho que ter uma casa na serra e morar nela seria uma experiência incrível. Se meu marido quisesse, eu toparia imediatamente. No entanto, não é o caso. Ele não quer, e ser casada, ter um filho, significa tomar decisões em família, e não unilaterais. Além disso, não me incomodo de morar em São Paulo. Eu gosto também. Não se trata de um “problema”. Estamos bem aqui. Ter uma casa na serra para passarmos os finais de semana ou irmos de vez em quando para descansar parecia uma boa ideia até eu pensar na parte prática e nos custos disso. Para mim, não compensa. E, se eu quiser ir para a serra, basta alugar uma casa e ir. Vou gastar menos e não terei a manutenção toda que requer. Em tempos de pandemia, não estamos viajando ou locando casa de terceiros, mas penso que esse possa ser um projeto interessante para depois – encontrar uma casa com donos legais para a gente alugar de vez em quando. Inclusive quem tem casa vazia coloca para alugar justamente para compensar os custos fixos de manter uma casa nessas condições. É uma situação ganha-ganha típica.

Prefiro investir esse dinheiro, usá-lo na reforma do quintal da nossa casa hoje, por exemplo, que é onde moramos e passamos todos os dias, para ficarmos bem na vida que já vivemos, e talvez futuramente mudarmos para uma casa que tenha mais a ver comigo, com quintal, muitas árvores, em uma rua tranquila, mas ainda assim dentro de São Paulo, com boa localização, por tudo o que representa na nossa vida.

Acho que faz parte de um amadurecimento como ser humano entender que não precisamos “ter” as coisas para usufruir das experiências que tais coisas nos proporcionariam. Acho importante sim ter um teto nosso, como segurança financeira básica, mas desnecessário ter um segundo imóvel. Prefiro guardar esse dinheiro para ficarmos mais tranquilos financeiramente. E, se em algum momento entendermos que estamos prontos para mudar de casa, isso pode entrar nos planos novamente.

Entra também um aspecto comunitário que é refletir sobre os motivos que levam uma pessoa a ter dois imóveis sendo que moramos em um país onde tantos lutam para ter suas próprias terras. Talvez eu não consiga resolver esses problemas para todo mundo, mas eu posso ajudar a nossa família, por exemplo. Minha sogra não tem uma casa própria. Não seria o caso de pensarmos em algo para eles, em vez de pensarmos em uma segunda casa para a gente usar de vez em quando? Sabe?

Um ponto que não quero deixar de comentar neste post é a visão que tenho da rotina como praticante do Budismo. Entendo que seja uma habilidade importante aprender a ser feliz onde quer que eu esteja. Eu já desenvolvo essa habilidade e estou tranquila com ela. Não acho que preciso morar nas montanhas para ser mais feliz ou ir para a Índia para me iluminar. Sei ser feliz onde moro hoje porque a felicidade é um sentimento interno.

E aqui entra também um aprendizado que tive estudando o Feng Shui: quais são os elementos da casa na serra que eu mais gostaria de viver, e como posso tentar trazê-los para a casa que eu tenho hoje? Talvez não consiga tudo, mas é provável que eu consiga trazer diversos elementos, e isso já é, por si só, algo muito legal de se fazer, e material para projetos para os próximos anos aqui na casa onde vivemos.

O propósito deste post foi compartilhar o meu processo de reflexão com relação a um objetivo que eu tinha e que, vivendo a vida, eu refleti e mudei de ideia. Isso já aconteceu com vários outros objetivos que eu tinha mas que, visualizando-os como realidade, eu percebi que não se encaixavam mais no estilo de vida que eu estava construindo para mim. E que imenso privilégio é eu poder me dar ao luxo de escolher que estilo de vida eu quero viver. Reconheço e sou grata por isso. Que eu possa usar esse privilégio para ajudar os outros, mesmo que em uma escala micro.

Obs. Algumas imagens deste post eu peguei no Google e não consegui encontrar o autor / fotógrafo. Caso você reconheça, por favor, me avise nos comentários para que eu possa creditar apropriadamente.