1 ano depois

Hoje faz 1 ano que a minha avó faleceu.

Ela morreu depois de uma cirurgia feita em um momento em que estava bem, mas com dores (no joelho), e morreu devido a uma infecção generalizada com a prótese. Foi muito difícil acompanhar os seus últimos meses de vida, porque a minha avó sempre foi uma pessoa muito lúcida e inteligente, e aos poucos foi perdendo completamente os sentidos. Foi muito triste, não apenas por ser a minha avó, mas por ver o fim de um ser humano dessa maneira.

Desde então, questiono muito o por que das coisas e a forma como eu vivo a vida. Disso, pra entrar numa depressão, é só um passo. Foi um ano extremamente difícil em que precisei lidar com sentimentos nada racionais. Ouvir que “a vida continua” depois que alguém morre é o certo, e você sabe, mas na real é praticamente impossível ser racional com o que se sente, pois a verdade é que nem você sabe como se sente. Sentimentos acontecem, aparecem, despertam.

Lidar com a nova realidade sem uma pessoa tão importante por você é essencialmente difícil. Minha avó sempre foi o meu porto seguro, apesar de eu usar esse termo com bastante relutância. Não que ela me ajudasse financeiramente ou coisas do tipo, porque não era o caso. Mas ela era aquela pessoa que estava sempre ao meu lado para me ouvir e também para me dar umas broncas. Era a pessoa que me conhecia melhor e que, mesmo brigando comigo, ficava ao meu lado. Depois que ela morreu, eu me senti completamente só. O relacionamento que eu tinha (e tenho) com outras pessoas da minha família era simplesmente diferente.

Não consigo descrever muito o quão difícil foi esse último ano. Entender meus sentimentos, ajudar o Paul a lidar com os deles, meu marido, que a tinha como avó também, meu tio, meus primos e outros parentes. Ter um trabalho que depende de eu manter a cabeça boa e positiva para inspirar os outros. Passei por vários altos e baixos. Hoje, sinto que envelheci uns 15 anos no último ano. Tanto para o lado físico quanto pelo amadurecimento.

Minha avó deixou um legado imenso na minha vida. Ela foi responsável pela minha formação. Me deu apoio aos estudos. Fiz faculdade por causa dela. Ela me ensinou a gostar de ler. Em termos práticos, nos deixou a casa em que moramos hoje. Se eu, o Ande e nosso filho podemos ter essa certa segurança financeira, foi porque ela construiu isso e deixou para nós.

Essa semana eu cometi o erro de rever algumas anotações minhas sobre o período antes de ela morrer. Foi uma época muito sofrida e difícil. Não devia ter visto de novo, porque me trouxe de volta todos aqueles sentimentos. E estou em uma época que preciso alimentar meus sentimentos bons, para ficar bem. Mas tudo faz parte, não me julgo.

Hoje eu sinto que a morte de uma pessoa tão importante na sua vida é sentida com mais força com o passar dos anos. Nesse final de semana, encontrei alguns amigos do meu pai, que fizeram um show (banda de rock), e foi inevitável pensar que era para o meu pai estar ali, entre eles. Em quantas coisas ele perdeu por ter morrido cedo.

Da minha avó, penso nisso de outra forma. Ela viveu MUITA coisa. Passou inclusive pela doença e pela morte do filho. Viu o bisneto nascer. Teve a oportunidade de fazer lição de casa com ele, dar risada e comer pizza junto. Fez muito por muita gente, então a sensação com a morte dela é unicamente da perda, e não da frustração pelo que não viveu, como no caso do meu pai.

Eu voltei a fazer terapia nesse último ano. Foi importante para aprender a lidar com os meus sentimentos. Para aprender a lidar com tantas perdas.

Foi um ano em que me dediquei menos ao trabalho, de maneira geral. Trabalhei menos, criei menos. Mas não tinha como ser de outro jeito.

O que me salvou e me distraiu foi o mestrado. Estar naquele ambiente. Ter novos desafios.

Hoje eu estou escrevendo este post sentada na minha mesa, no quarto, olhando pela janela que dá para a rua. Estamos bem. E grande parte desse sentimento de estar bem vem do legado que a minha avó nos deixou.

Mais uma vez, foi um ano difícil e intenso. Aprendi sobre mim, sobre as pessoas, sobre os acontecimentos. Nem sei como consegui trabalhar, em certo sentido. Meus questionamentos sobre o estilo de vida foram importantes. Ainda não retomei o mesmo ritmo de antes, e nem sei se quero. Nem sei bem definir o que era esse “ritmo de antes”. Ter passado por tudo isso me fez questionar a maneira como eu vivo a minha vida – não que eu já não fizesse isso antes. Faço o tempo todo, devido à natureza do meu próprio trabalho, que é ensinar sobre planejamento de vida. Mas o que eu vi na prática é que a vida é um sopro. Não se trata do montante (o que você fez?), mas sim do dia de hoje ser feliz, legal, gostoso. Os fins NÃO justificam os meios. O meio é o que importa.

Viver todos os dias agradecendo por ter acordado mais uma vez e por ter a oportunidade de viver um dia feliz e significativo mudou completamente a minha perspectiva das coisas, porque me ajudou a dizer não àquilo que não me faz feliz ou não me acrescenta nada de especial. De certa maneira, pode soar frio, mas sabe aquele sentimento de não querer perder tempo com o que não agrega? Posso estar errada, e falando de um local privilegiado, mas abraço as consequências do que faço. Eu sei que, se recusar um trabalho, ficarei sem aquela remuneração, e isso impacta completamente em quem empreende. O sentimento de consciência limpa, no entanto, é o que faz diferença.

A morte da minha avó me ensinou que eu quero ser feliz todos os dias. Não se trata de contentamento forçado ou de ignorar sentimentos. Muito pelo contrário: trata-se de me perceber e respeitar o que estou sentindo, buscando transformar aquilo que não deveria mais existir. Se eu acordo triste, pensando nela ou no meu pai, está tudo bem. Respeito os sentimentos. Procuro aprender com eles. Só não posso me deixar abater, e eu sei disso, é um processo consciente. Mas não tenho mais paciência para o que me deixa mal. Cortei amizades. Cortei atividades. Cortei “urgências” dos outros que não tenham nada de urgências, a não ser alimentação de ansiedade. Eu posso morrer hoje, sabe? Isso é uma reflexão budista, inclusive. Não há tempo para cultivar a infelicidade, e não quero usar meu tempo para esse cultivo igualmente. Como já diziam os Titãs, só quero saber do que pode dar certo. Não tenho tempo a perder.