Existem coisas que simplesmente não pertencem a lugar nenhum. Ficam vagando pelos cômodos, pelas pastas digitais, pelos cantos da mente. Pequenos objetos esquecidos, papéis sem destino, ideias que ainda não amadureceram. São os vestígios do que um dia fez sentido ou do que pode vir a fazer, mas, por ora, não se encaixam em nenhuma categoria. O mundo exige ordem, mas a vida escapa por entre os dedos, deixando rastros que não sabemos onde colocar.
A gaveta imperfeita nasce dessa necessidade de um refúgio. Um espaço onde o que não tem nome pode repousar sem culpa, sem a pressão de pertencer. Uma caixa no fundo do armário, um arquivo no computador chamado “coisas soltas”, um caderno de rascunhos para pensamentos que ainda não sabem para onde vão. Criar esse lugar é permitir que a bagunça tenha um limite, sem sufocar a fluidez. Um gesto de carinho com aquilo que ainda não encontrou seu destino.
Há quem diga que isso é desorganização, mas talvez seja apenas um tipo de gentileza. Nem tudo precisa ser resolvido imediatamente. Algumas coisas pedem um tempo de espera, um silêncio antes da resposta, um canto onde possam respirar até que sua função se revele. Revisitar essa gaveta de tempos em tempos é como abrir uma cápsula do passado: algumas coisas finalmente fazem sentido, outras já não importam mais. Deixar ir o que perdeu a relevância é tão importante quanto preservar o que um dia pode florescer.

Pense naquelas cartas escritas e nunca enviadas, nos ingressos de cinema guardados sem motivo, nos livros cheios de anotações à margem. Pequenas âncoras do que já fomos, rastros de memórias que ainda não queremos apagar. A gaveta imperfeita não é um espaço de acúmulo, mas de espera. Um abrigo temporário para aquilo que ainda não sabemos nomear.
E não são apenas objetos. Há também as palavras que engolimos, as decisões adiadas, as vontades indefinidas. Nem tudo pode ser resolvido no instante em que surge. Algumas respostas precisam de tempo, de maturação, de um canto onde possam existir sem urgência. Criar esse espaço dentro de si mesmo é um ato de paciência, uma forma de respeitar o próprio ritmo.
O mundo moderno exige definição, precisão, categorização. Mas a vida é feita de arestas, de intervalos, de momentos que fogem da lógica dos sistemas perfeitos. Uma organização real precisa acomodar essas brechas, deixar um espaço para o inacabado, para o não dito, para o que ainda não encontrou forma.
E aceitar isso não é desistir da ordem, mas aprender a dançar com o que escapa dela. Afinal, entre o caos absoluto e a rigidez extrema, há sempre um meio-termo possível. Talvez seja esse: uma gaveta imperfeita, esperando o tempo fazer seu trabalho.
