Existe uma forma de ler que nos deixa cansados, ainda que a gente não perceba logo. É uma leitura apressada, ansiosa, que acumula links salvos, livros iniciados, artigos abertos em abas infinitas. É a hiperleitura — esse modo moderno de tentar dar conta de tudo, como se a sabedoria estivesse na quantidade. Mas não está. Ela cansa porque nos fragmenta. Porque nos transforma em colecionadores de textos que nunca tocam a pele do pensamento.
A hiperleitura, no entanto, não é um erro. Ela é só uma fase. Um primeiro momento do ciclo. Como a inalação de referências, de ideias, de vozes. A mente absorve, experimenta, se expande. E depois, inevitavelmente, precisa silenciar. É nesse silêncio que nasce a curadoria — o segundo movimento. O da escolha. Do gesto de separar o essencial do excessivo. De deixar ir o que era só ruído, e guardar o que pulsa como verdade.
Fazer curadoria é uma forma de cuidado. É quando a gente para de correr atrás de tudo e começa a montar uma constelação própria. Um mapa de leituras que nos ajuda a pensar, não a competir. Um sistema afetivo de ideias que se tocam e se iluminam. Uma pilha pequena de livros que faz sentido pra nós, e não pros algoritmos.
E então, quando o essencial se assenta, algo novo começa a nascer: o amor criativo. Aquilo que transborda da leitura, mas que não é mais só leitura. É anotações nos cantos da página, é um parágrafo reescrito com a própria voz, é uma ideia que pede para ser compartilhada — mesmo que ainda seja semente. O amor criativo é o momento em que a leitura deixa de ser consumo e vira criação. Não necessariamente de algo “produtivo”, no sentido tradicional. Mas de algo vivo. Algo seu.
Esse ciclo — hiperleitura, curadoria, amor criativo — pode se repetir infinitas vezes. Mas ele pede tempo. Pede pausa. Pede presença. E talvez por isso seja tão difícil sustentá-lo no mundo de agora, onde tudo é rápido, urgente, imediato. A melancolia vem daí: do desejo de ler com alma num tempo que nos empurra para o excesso sem digestão.
Mas se conseguimos, mesmo que por breves períodos, viver esse ciclo com inteireza, a leitura volta a ser aquilo que sempre foi: um ato de escuta, de afeto, de transformação silenciosa. A produtividade real não está na velocidade, mas na capacidade de se deixar atravessar, reorganizar, renascer pela leitura.
Ler, então, não é apenas uma tarefa — é uma forma de viver com mais poros abertos. De se perder e se encontrar em palavras que tocam lugares que a gente não sabia nomear. De cuidar da mente como quem cultiva uma horta: com paciência, com seleção, com espaço. E com amor suficiente para transformar o que foi lido em vida compartilhada.
Perfeito! É um desafio imenso termos uma existência plena nesse mundo superficial e que exige que tudo seja rápido!
Seu texto foi inspirador para um final de tarde. É difícil romper esse ciclo, mas tem toda a razão, quando ele rompe é amor criativo, chega a ser mágico aqueles instantes.
Thais Godinho, que texto M a r a v i l h o s o !!!
Que texto verdadeiro e profundo Thais!
Esta frase me tocou muito:
“Mas se conseguimos, mesmo que por breves períodos, viver esse ciclo com inteireza, a leitura volta a ser aquilo que sempre foi: um ato de escuta, de afeto, de transformação silenciosa. A produtividade real não está na velocidade, mas na capacidade de se deixar atravessar, reorganizar, renascer pela leitura.”
Obrigada por compartilhar!
Thais, que lindeza de texto! Eu tô paralisada na hiperleitura, então foi muito pertinente ler sobre esse ciclo, e poder perceber uma parte das causas da minha ansiedade. Foi um insight valiosíssimo! Obrigada!
Estou na fase da curadoria há pouco tempo, por muito permaneci na hiperleitura sem saber, obrigado por compartilhar esse conhecimento.
Lindo! Tocante. Vc anda muito inspirada e graças à sua generosidade tudo isso chega aqui. Obrigada
Estou no processo da curadoria. São interesses, sede de saber, e tempo finito. Um exercício diário.
Amei o texto e me identifiquei bastante.