Dá para ser pesquisadora e empresária ao mesmo tempo?

Bom, se você não se fez essa pergunta, saiba que eu a faço bastante. O tempo inteiro, eu diria.

Agora que entrei de cabeça na vida acadêmica eu percebo como a academia está distante do mercado. Só o fato de eu repetir essa frase, que é amplamente falada no meio acadêmico, já mostra como existe esse distanciamento. O distanciamento começa na diferenciação. Quem disse que a academia não é o mercado também? Mas voltemos.

O enfoque que eu quero dar neste texto é outro. É discutir como que se consegue ficar em um evento acadêmico recebendo mensagem de cliente no What’s App, precisando da sua resposta o quanto antes. E o que quero trazer como proposta é que a resposta não seja nem 8 nem 80. Vamos tentar problematizar.

Esta semana, estou participando de um evento acadêmico, como ouvinte (o meu primeiro – leia mais aqui). Já participei de outros como organizadora, mas como ouvinte/estudante é a primeira vez. E, no meio da conferência de abertura, olhando ao meu redor – só estudantes e professores, eu me fiz a seguinte pergunta: “para ser do meio acadêmico, é necessário ter a carreira de pesquisa como o meu ikigai?”

Ikigai, para quem não sabe, é uma palavra japonesa para a arte que te leva a descobrir o seu propósito de vida (em resumo).

Eu já acho que essa busca pelo propósito bota uma baita pressão na nossa vida de maneira geral. Por que eu tenho que ter um propósito grande, em primeiro lugar? E por que eu teria que ter apenas um? Foco? Mas não posso focar em mais de uma coisa? Foco em um único propósito não me limitaria? Eu não posso encontrar o propósito em pequenas coisas do dia a dia?

Fazendo aquela pergunta ali de trás para mim mesma, eu descobri que “apenas” ser pesquisadora “não é” o “meu” ikigai. Assim como ser empresária não é o meu ikigai. Eu vejo todas essas frentes apenas como formatos. Eu as vejo como o COMO, não como o O QUÊ. E isso é bom. Tirou uma carga das minhas costas.

Porque vejam, eu estava preocupada. “Será que não estou deixando minha empresa de lado para focar nos estudos?” Se eu deixar a minha empresa de lado, não vou ter dinheiro para pagar os estudos – para começar. Eu me dei um mês de empolgação (e imersão total) com o mestrado, mas agora é hora de colocar a cabeça no lugar e equilibrar as coisas.

Quando eu comecei no mestrado, tive uma semana bem punk. No sentido de ter muitos compromissos e agendamentos. Naquela semana, me dei de presente uma massagem. E, durante a massagem, eu pensei: “coloquei uma coisa grande e volumosa a mais na minha vida. Se eu não quiser abrir mão de outras coisas que são importantes para mim, eu vou ter que pensar em soluções diferentes”. Foi quando veio a ideia de finalmente contratar um auxiliar administrativo.

Durante a conferência de abertura do evento, em um momento meio de perguntas e respostas sobre um tema que não me interessou, fui checar as minhas mensagens para ver se tinha algo urgente. Tinha. Uma cliente que queria inscrever seis pessoas para um curso meu e precisava dos meus dados para fazer o pagamento. Obviamente pude respondê-la porque já tinha esses dados fáceis e bastava copiar e colar. Mas foi quando eu percebi que era o tipo de mensagem urgente que não precisaria ser respondida por mim, se eu já tivesse alguém trabalhando comigo. O auxiliar administrativo vai cuidar dessas coisas. O que sobrecarrega quem é empresário é querer abraçar tudo, e não focar em fazer as coisas certas = coisas que só a própria pessoa pode fazer.

Até ano passado, meu propósito de vida estava muito claro para mim. Eu falei sobre ele no post sobre propósito, que escrevi há pouco tempo. Com a entrada na vida acadêmica, eu abri um pouquinho o leque, no sentido de querer ir além. Não se trata de só ajudar as pessoas a serem menos estressadas. Se trata de pensar no macro, no sistema econômico que vivemos (e que impacta diretamente no mundo do trabalho) e em como eu posso minimizar a agressividade desse sistema sobre aqueles que trabalham e têm sonhos.

Faz pouco mais de um mês que eu comecei o mestrado e já dei um monte de dicas de organização e produtividade para os meus colegas de sala, e até alguns professores. “Você conhece o Evernote? ” Já ouviu falar em GTD?” “Não se sobrecarregue – encontre a dose mínima viável”. Etc. Porque eu faço isso naturalmente. Eu gosto de ajudar. E percebi que tenho uma grande contribuição com relação a isso quando me tornar professora e orientadora. Eu posso ajudar as pessoas nesse sentido.

O meio acadêmico tem muitas pessoas doentes. Que acham que é normal “surtar” em determinado momento da pesquisa. Que deixam a redação dos artigos para a última hora. Que não vinculam sua pesquisa às disciplinas. Mas, mais do que isso, que não vinculam a sua própria pesquisa ao tal “mercado”.

Outro dia, em sala de aula, perguntei para o meu professor de Metodologia como um mestrando poderia saber qual a melhor disciplina para ele dar aula um dia – se de acordo com a pesquisa, ou de acordo com a experiência de mercado, se ele a tivesse – e ele me deu uma resposta muito legal e experiente, que foi: você tem um conhecimento que vai te tornar conhecido na área, ponto, mas o que realmente vai direcionar é a demanda do mercado, da instituição.

Aí eu perguntei para alguns colegas que “vieram do mercado” se eles se sentiriam mais seguros para ministrar uma disciplina que refletisse os seus conhecimentos de mercado ou se refletisse a pesquisa, e TODOS responderam “minha experiência no mercado”. Eu mesma me sentiria mais à vontade (hoje) para ministrar disciplinas de criação de conteúdo para Internet que para epistemologias e teorias da Comunicação (minha pesquisa), por conta da bagagem mesmo. Mas isso deve mudar até o fim do mestrado, ou não.

A solução então seria sempre buscar estudar aquilo que nos é familiar? Mas qual o desafio nisso? Que novidade trarei com a minha pesquisa? Eu gosto da ideia de me aprofundar em um tema diferente, mas que de certo modo conversa com o que eu faço, porque isso me desafia a estudar, ler mais, pesquisar. Mas cada vez mais me convenço de que um pesquisador não está fora do mercado – é um mercado por si só, que existe. Agora, dá para fazer mais de uma coisa na vida? A cidadã aqui conseguirá ser empresária, professora e pesquisadora? Eu penso que sim, se eu vir tudo isso como meios, e não como fins por si só. O que eu acho que é uma abordagem disruptiva não só para o meio acadêmico como para o mercado em si (olha eu diferenciando os dois de novo!).

É possível sim a gente pesquisar, buscar significado, ensinar outras pessoas, e também ter uma relação saudável com a nossa “outra” profissão “de mercado”, gerenciando uma empresa, criando projetos. Do meu ponto de vista, basta não ver as atividades como fins em si mesmas, o que já as limitaria o suficiente. Se o propósito existe, tudo o que posso fazer é equilibrar os “COMOs”, e mais sensacional ainda é fazer com que esses “COMOs” se ajudem e se complementem.

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41 Comments

  1. Thais,
    Essa ruptura entre mercado e pesquisa causa muita confusão.
    De forma geral alguns cursos só existem por conta da da demanda do mercado e eu acho ok porque quando vc estuda vc amplia horizontes infinitamente. Vão além do que o mercado pede, porém são intrinsecamente ligados.
    Na minha área, educação tem um discurso forte sobre não seguir as determinações do mercado, romper com a lógica mercadológica e blá blá blá. Mas como? Vou formar alunos para que? Ajudar a formar valores, respeito e consciência sobre si, o meio e o outro deveriam estar conectadas ao mundo que vivemos. Que é produtivo, que gera conteúdo, emprego, produtos…
    Muito boa a sua reflexão, devemos ter o pé no chão. Amo estudar, mas tenho que alinhar minha necessidade de estudo, ao prazer e ao mundo do trabalho. São dimensões diferentes mas complementares. Um abraço

    1. Pois é, é uma longa (e necessária) discussão. Obrigada pelos comentários.

  2. Como sempre, perfeito! Vivo um pouco esse dilema, penso na carreira acadêmica futura, mas também penso na minha empresária! Como conciliar?! Essa visão de enxergar meios e não fins é fantástica!
    E sobre o propósito de vida, sempre penso nisso de ter apenas 01! Tenho muita dificuldade em encontrar apenas 01, talvez porque não precise ser isso!
    Obrigada Thais!

    1. Realmente talvez não precise ser apenas um! Acredito nisso também! Obrigada.

  3. Fantástica!!!!

  4. Nossa! Q texto maravilhoso! Adorei! Sempre me limito a fazer poucas coisas, e ver vc caminhando e me mostrando que é possível realmente faz refletir. Obrigada!

  5. Melhoooor texto <3 me ajudou muitíssimo! Super concordo.

  6. Muito interessante essa reflexão! Há alguns dias li algo sobre “pessoas multipotenciais” que são muitas vezes vistas como “desfocadas”, isto ocorre exatamente por não terem uma única área de interesse ou foco. O estudo diz que isto pode ser muito positivo quando conseguimos “linkar” as áreas e os conhecimentos distintos adquiridos para agregar valor ao outro. Acredito que é o que você está fazendo. Mt legal!

    1. O mais interessante é que existe um norte nisso tudo, mas as pessoas vêem apenas os “galhos” das árvores, em vez de prestarem atenção nas raízes, na direção para a qual a árvore está crescendo e os frutos que ela está gerando.

  7. Thais, você tem sido uma das pessoas mais inspiradoras para mim nos últimos tempos. Todo o conteúdo do blog, os vídeos, seus livros, enfim todo seu engajamento em passar sua filosofia de vida foram ( e estão sendo) importantíssimos para que eu pudesse começar a ter uma outra visão do mundo da organização. Uma visão mais ampla e prática. Queria eu a algum tempo atrás, quando estava imersa numa busca insana sobre qual era meu propósito de vida ter lido isso “Por que eu tenho que ter um propósito grande, em primeiro lugar?”. Sua forma de destrinchar os pensamentos me faz chegar a conclusões que me trazem clareza, paz e ânimo. Obrigada

    1. Eu que agradço, Raquel. Fico muito feliz por ajudar de alguma maneira.

  8. “Se trata de pensar no macro, no sistema econômico que vivemos (e que impacta diretamente no mundo do trabalho) e em como eu posso minimizar a agressividade desse sistema sobre aqueles que trabalham e têm sonhos.” POR ISSO ADMIRO VOCÊ.

  9. Thais!
    Eu estava bem num meio de uma reflexão sobre vocação, proposito etc (estou fazendo um mini curso sobre missão pessoal). E então vim ao teu blog (toda semana passo aqui) e dei de cara com o post. total sincronicidade!
    Como tenho várias paixões (o tal do multipotencial) e trabalho com TI, eu me perguntava “tenho mesmo que escolher uma só?”. e não né…
    Lendo seu post também vi que:
    – a percepção de propósito é dinâmica
    – o exercicio do propósito não se limita a um unico contexto
    Bom, ainda tenho um longo caminho a percorrer nesse assunto.

    gratidão por me ajudar a organizar as ideias também!

    1. Obrigada, Debora. Boa sorte em seu caminho. 🙂

  10. Estou amando essa sua nova fase como mestranda e pesquisadora, porque estou na mesma situação e com os mesmos questionamentos sobre aliar futuro profissional e pesquisa. Gostei que você também lembrou dos problemas de saúde que atingem os estudantes e pesquisadores, praticamente um tabu no meio acadêmico: todo mundo sabe que existe, mas continua agindo como se fosse normal… Bem, eu também não acho isso normal. Enfim, ótimo texto como sempre!

  11. Thais, que post legal! Minha profissão fica sempre nesse limiar entre o “mercado” e a “academia” (sou advogada) e sempre achei estranho existir até mesmo um preconceito entre quem se dedica mais a um desses campos. Ao mesmo tempo que é muito dificil ingressar na academia com uma formação mais mercadológica; se você é do mercado e tem um viés acadêmico, as pessoas te veem como um profissional menos prático (e as vezes, não muito realista). Espero que um dia isso mude, pois não vejo nenhum benefício desse tipo de separação tão rigida.
    Beijos

  12. Ai, amando essa fase da Thais mestranda! <3 Sou doutoranda e estou achando muito inspiradora a sua trajetória acadêmica. Está me dando um novo ânimo para seguir com minha tese. Boa sorte!

  13. Ah Thais, bem vinda ao maravilhoso ( e confuso) mundo da academia.

    Eu poderia fazer uma tese só com as perguntas que você colocou no seu texto, mas vou comentar somente um ponto:
    “Eu mesma me sentiria mais à vontade (hoje) para ministrar disciplinas de criação de conteúdo para Internet que para epistemologias e teorias da Comunicação (minha pesquisa), por conta da bagagem mesmo. Mas isso deve mudar até o fim do mestrado, ou não.”
    Sinceramente a resposta aqui é não rsrsrsrs. Quanto mais você estuda menos você acha que sabe (SÉRIO), eu tenho 10 anos de estudo focado em virologia e toda vez que alguém me pede pra ministrar uma aula sobre o tema eu tremo na base. O interessante aqui é que você acaba sabendo mais do que acredita, então hoje talvez você não tenha (ainda) conteúdo teórico o suficiente para ministrar uma aula sobre teorias da comunicação, mas talvez daqui a 10 anos você saiba TANTO que, como eu, achará que não sabe nada (mesmo com toda a bagagem de anos de pesquisa). O que eu te indico aqui é: comece a escrever/falar/ensinar o que você está estudando do mais rápido que puder, mesmo que não seja completo, mesmo que seja parcial, comece! Esse começo vai te dando coragem pra acreditar cada dia mais em si mesma, agora, como a pesquisadora Thais.

    Sobre o mercado x academia… Bom, esse é assunto pra outro dia (senão meu comentário vai virar uma carta aqui rsrsrs)

    Boa sorte!!!

  14. Que lindo esse texto! Obrigada <3
    Nos vemos em breve 🙂

  15. Nossa Thais, esta semana comecei a pensar exatamente isso!!!! Mas no meu caso sou empresária em um ramo diferente da minha formação! E estou aqui pesando prós e contras, em como balancear ou não tudo isso! Ainda vou reler seu texto algumas vezes… tentar achar um caminho… mas já melhorou muito minhas reflexões! Gratidão <3

    1. Obrigada <3 quero ouvir o que você vai resolver depois 🙂

  16. Thais, um comentário nada a ver com a postagem haha
    Comecei a praticar yoga com uma professora maravilhosa, tem me feito muito bem e mesmo com pouco mais de um mês de prática já estou percebendo algumas mudanças.
    Ontem assisti o documentário Yoga – arquitetura da paz e me lembrei de você.
    Se você ainda não viu deixo essa dica.
    Beijos

    1. Obrigada pelas sugestões.

  17. Bom dia Thais,
    Tudo bem?Te acompanho a bastante tempo e aprendo diariamente com você.
    Eu trabalho a 17 anos na área administrativa e financeira de pequenas empresas.Ano passado me formei em Administração.Gostaria de conversar sobre uma parceria neste projeto auxiliar administrativo.Estou aberta a um home office, emprego formal ou até algo esporádico.Agradeço a atenção desde já.Um beijo

    1. Oi Rosângela, tudo bem?

      O processo seletivo já aconteceu e a pessoa está definida, mas agradeço sua disponibilidade.

  18. ARRASOU!
    Você e a Passa são grandes inspirações para mim. Mulheres que buscam viver da melhor forma nesse mundo maluco.
    PS:Conheci a Passa por você e virei seguidora assídua do canal.

  19. Acho simplesmente maravilhosa a forma como você aborda os diversos assuntos relacionados às suas áreas de interesse, acabo incorporando vários métodos em meu cotidiano, adaptando para as minhas necessidades. Parabéns pelo trabalho e obrigada.

  20. Oi Thaís,
    Pode parecer cansativo pra vc falar novamente de Evernote mas a pergunta ficou como uma pulga atrás da orelha em seus últimos vi algo e fiquei intrigada o uso das etiquetas no seu sistema não me pareceu ser relevante. Etiquetas no Evernote são úteis? Se são como seria sua aplicação no GTD?

    1. Oi Luciene, tudo bem? No canal GTD Brasil, no YouTube, postei recentemente um vídeo mostrando meu Evernote e detalhes que pode ajudar. Basicamente, uso as etiquetas para organizar referências (arquivos).

  21. Oi! Thais q maravilha seus posts! Esse e o de propósitos do mestrado foram sensacionais pra eu refletir sobre minha própria trajetória! Achei você semana passada e estou encantada. Por favor continue sempre escrevendo, pois está cumprindo muito bem seu propósito de inspirar. Obrigada!

    1. Que legal, obrigada por comentar e seja bem-vinda.

  22. Nossa Thaís que maneira mais inteligente de diferenciar as várias atividades não como um fim em si mesmas e sim com meios. Senti um alívio muito grande com essa abordagem. Eu gosto de fazer várias coisas e tenho interesse em aprender outras que aparentemente não têm muita ligação com minha área de formação, e a ideia enrijecida de apenas uma missão e propósito mais me paralisava do que motivava.
    Obrigada de coração 🙂

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