Sabe tudo o que eu escrevi outro dia sobre se preparar para visitar um campo de concentração?
Eu fiz isso.
Sabe como foi? Horrível.
De alguma maneira eu achei, muito ingenuamente que, por já estudar esse tema há tantos anos, eu apenas veria pessoalmente aquilo que já conhecia, que já sabia as atrocidades.
Eu não conversei com ninguém estando lá. Fiquei em silêncio do início ao fim. Apenas ouvi o nosso guia, em inglês, e observei. Observei muito.
Os blocos me lembraram bastante algumas escolas públicas que eu já estudei na infância (que foi durante a época da ditadura no Brasil). E existem lugares que não quero mencionar para não dar gatilho em ninguém, e mesmo porque eu própria ainda não me sinto capaz de me expressar sobre eles.
Comentei com meu namorado (que não teve estômago pra ir), que o infame letreiro do “arbeit macht frei” (“o trabalho liberta”) é muito pequeno e que, pelas imagens que eu já tinha visto, ele parecia muito maior. E ele disse: “e não é mesmo?” Sim.
O tour nos levou pelos blocos liberados para visitação. Alguns permanecem fechados. Caminhar sobre as pedras, ver os arames farpados, o paredão, os prédios, ENTRAR nos prédios… tudo isso parece E É demais. Algumas pessoas esperavam do lado de fora, passando mal. Outros estavam chorando.
E assim. Auschwitz era o campo “light”. Em Birkenau eu já não aguentava mais o tour. Eu até considerei esperar no ônibus, mas é aquela coisa: “já vim até aqui…” Birkenau era um campo de extermínio, simplesmente. Chegou, morreu. Só tinha espaço pras pessoas ficarem porque as câmaras e crematórios não davam conta de tanta gente. E dizer que as condições eram precárias é pouco. As pessoas eram acumuladas para morrer hoje, amanhã, ou quem sabe em 47 dias, se sobrevivessem.
Birkenau fica um tanto distante de Auschwitz. Então, de lá, o guia nos levou de ônibus até esse segundo campo, que pra mim foi devastador.
A “famosa” entrada para os trens foi construída “apenas” em 1944, quando judeus húngaros começaram a ser transportados em massa para lá, mas ela é tão emblemática, Acho que todo mundo que já assistiu algum documentário sobre o holocausto já deve tê-la visto. Pessoalmente, é impressionante, de todos os lados que se olhava.
Eu juro que, de início, eu imaginei que conseguiria fazer um vlog. Gravei um pouco da ida na estrada e tal. Mas foi só chegar lá que eu percebi que não conseguiria. Eu só queria demonstrar, em silêncio, o meu respeito às mais de 1,1 milhões de pessoas que morreram ali, naqueles campos.
Não é fácil, não sei se é pra todo mundo, mas eu entendo por que eles mantiveram os campos como um memorial. É inacreditável que seres humanos tenham feito e passado por aquilo. Eu queria dizer, como no slogan deles, “nunca mais!”, mas eu confesso que essa visita me fez perder a fé na humanidade. Talvez em algum momento eu recupere. Por hora, preciso de tempo. E silêncio.
E talvez fazer meu pós-doc sobre os ursinhos carinhosos mesmo.
Tive a oportunidade de conhecer ambos em 2015 e por mais importante (e pesado) que seja, confesso que acabei saindo um pouco frustrada do tour. Não sei se mudou de lá para cá, mas espero que sim.
Quando fui havia muita gente. Muita. Então mesmo que as pessoas estivessem em silêncio e respeitando, o clima como um todo era muito quebrado por isso.
E outra questão que influencia muito é o guia. Sinceramente não gostei do nosso. Parecia que ele queria terminar as frases (TODAS) dando uma ênfase ao sofrimento, mas ficava muito forçado. Era como se todas as frases terminassem com reticências (não sei explicar rs). Mas com o passar do tempo a forma dele falar acabou me incomodando e distraindo.
Mesmo com tudo isso, ainda acho uma visita essencial para quem quer ir mais a fundo nesse período da história. Na Hungria também passamos por alguns locais bem interessantes que mostravam a passagem do nazismo e depois do stalinismo…
Thais, olá. Tive a mesma sensação quando o antigo DEOPS, na Luz foi aberto para a apresentação da peça teatral “Lembrar é resistir”, em 1999, antes de ser transformado no Museu da Resistência. A espera era no portão, na rua e ao serem abertos, já entrávamos como presos políticos. Um dos guardas era o João Acayabe e o choque começava ali pois estava com meu filho e ele o conhecia do Bambalalão. Foi a primeira vez, mesmo sabendo que ra apenas um personagem, que pensei em como podemos nos enganar com as pessoas (e olhe o de chegamos hoje). Não haviam assentos e apenas os esparsos mobiliários que já estavam no prédio. O reduzido grupo caminhava de espaço em espaço, cela por cela e em cada uma ficávamos em pé, formando um círculo e os atores contavam as histórias que os sobreviventes relataram. Nunca mais esqueci desses momentos e dos sentimentos que afloraram ali. Se já havia indignação ela só cresceu. Para que não se esqueça. Para que nunca mais aconteça. Obrigada pela oportunidade de relembrar.
Jacobinha-Ba., 31 de agosto de 2024. Thais, querida! Grata por compartilhar sua experiência. Entendo quando você fala dos ursinhos carinhosos. Sinta-se abraçada A realidade é muito dura mesmo. Tanto lá como aqui. No passado e no presente. Você me conforta quando diz: “tudo bem não ter dado tempo cumprir suas metas, qual é o propósito de fazer o que você está fazendo?”. Acompanho sua jornada desde 2014 e deixo aqui registrado que você é uma pessoa que me faz, em 2024, ter fé na humanidade. E sua carta chegou em um período que eu estava também sem fé na humanidade também. Sua carta me fez recobrar a fé na humanidade. Compartilhar sua caminhada, pelo mundo com tanta dedicação sempre me conforta. Hoje tenho mais clareza sobre as áreas da minha vida e você contribuiu e continua contribuindo com cada dia da minha vida. Grata!!! Cris<3