Faço parte de um grupo de empresárias e recentemente surgiu esse tópico comum sobre como conseguir tocar o trabalho e cuidar das demandas domésticas. Essa foi a minha resposta:
Por aqui administramos tudo sozinhos. Meu marido trabalha comigo e faz os corres de levar e buscar o filhote na escola e levar na aula de música. Eu consigo me concentrar 100% no trabalho e estudos, mas com tempo para preparar minha comida (faço uma alimentação ayurvédica), gerenciar as contas da casa e manter a limpeza e a arrumação de modo geral. Meu marido faz a limpeza mais pesada, mas eu ajudo também nos tempos livres. Em época de lançamentos ou de muitas viagens fazemos uso do delivery saudável sem culpa. Eu não me sinto confortável de ter uma pessoa em casa fazendo o nosso trabalho. Também gostamos de cuidar das nossas coisas. Preferimos morar em uma casa menor que podemos dar conta.
A resposta comum é que “a minha hora vale mais que a hora paga para uma funcionária” e eu confesso aqui que já pensei assim. Na real, faz parte daquela cultura totalizante do capitalismo que praticamente nos obriga a pensar assim para conseguir fazer mais e gerar capital. Eu não “demonizo” essa delegação, contanto que seja feita dentro dos direitos trabalhistas justos para as profissionais envolvidas. Apenas a minha consciência neste momento de vida tem outro viés. Sempre teve, na verdade, e eu me sentia mal quando tentava “me encaixar” no modelo empreendedor de querer delegar absolutamente tudo. Acho que essa delegação tem limite. Existem coisas que são a minha responsabilidade e pronto. Que quero assumir como responsabilidades também. Mas enfim, voltando ao tema da contratação em si.
Vivemos em uma cultura com herança escravocrata e as profissionais domésticas são umas das mais precarizadas. Se contratar, que seja certinho, com registro, benefÃcios e tudo o mais. E ganhando bem, para compensar o trabalho dessa pessoa, que é muito difÃcil. Particularmente, e isso é uma questão minha, não me sinto bem sabendo que tem uma pessoa limpando o meu vaso sanitário, entendem? Acho que tem coisas que são responsabilidades nossas. Esse meu modo de pensar causa espanto em muitas pessoas, especialmente quando falo com outras empresárias e, ainda mais, empresários – se é que tocam nesses assuntos.

A divisão do trabalho na nossa sociedade empurrou as mulheres para o trabalho dentro de casa e esse trabalho foi o que deu base para a construção do mundo como o temos hoje. Afinal, sem alguém para cuidar da casa, dos filhos, da comida, será que terÃamos tantos grandes “gênios” criando, inovando e liderando nas empresas? Com o passar do tempo e a entrada das mulheres no mercado de trabalho, tudo isso ficou mais complexo porque existem empregos e empregos, e um deles é o trabalho doméstico. Como sempre foi relegado a um trabalho invisÃvel e gratuito, e vindos de uma cultura escravocrata de séculos, foi naturalizada a precarização do trabalho das empregadas domésticas. Teve aà o podcast da mulher da casa abandonada para nos relembrar que até hoje surgem n casos de pessoas resgatadas em condições de escravidão dentro das casas. Em pleno 2022, gente. E deve ter muuuita gente por aà em situação semelhante.
Empatia pode ajudar a lidar com essa situação. A mulher que trabalha na casa dos outros muito provavelmente não mora no mesmo bairro, por conta da imensa desigualdade social. Ela passará um tempo enorme do seu dia em deslocamento. Quem cuida da casa dela? Quem cuida dos filhos dela? Que horas ela chega em casa e consegue descansar ou sequer pensar em estudar, se quiser? E, muito provavelmente, ao chegar em casa, ainda terá que limpar a casa, preparar a refeição, colocar os filhos para tomar banho e todas essas coisas. Lembrando que milhões de famÃlias no Brasil são constituÃdas por uma mãe solo, já que abandono parental por parte dos pais é uma realidade também naturalizada em nosso paÃs.
Entender que a realidade que vivemos é fruto de um sistema de exploração e opressão é fundamental para compreender que fazemos parte do mesmo mundo onde uma minoria detém o poder como classe dominante, ideologicamente e detentora dos meios de produção. Enxergar a trabalhadora doméstica como parte da classe trabalhadora que atua em campo diferente é entender que as ações para a organização delas possuem particularidades enquanto uma categoria marginalizada socialmente, e que fazem parte da nossa classe que é atingida pelos ataques aos direitos trabalhistas, agravadas nos últimos anos.
Fonte
Vou trazer aqui algumas coisas que me ajudam na gestão da casa:
- Considerei mudar para uma casa ou apto maior sim, mas acabei chegando à conclusão que isso demandaria um trabalho maior de gerenciamento e mais custos, pois é impossÃvel ter um imóvel grande e não ter funcionários. Nada contra, só não é algo que eu queria nesse momento. Então decidimos ficar na nossa casa mesmo, que não é pequena, nos atende bem.
- Com isso, simplificar ao máximo as coisas em casa, principalmente destralhando. Quanto mais coisa, mais trabalho pra limpar, manter organizado etc.
- Setorizar a casa também ajuda. Canto do trabalho, canto da tv, canto dos livros, canto de serviço etc. Mais do que cômodos, é pensar nos setores dentro dos cômodos. Nossa cozinha é toda setorizada. Tem a parte do café, a parte de cozinhar, a parte da armazenagem, a parte do preparo (cortes etc).
- Divisão total das tarefas domésticas. Quem mora na casa tem afazeres relacionados a ela. Quem tem mais disponibilidade faz mais coisas, o que é normal. Quem tiver vontade de fazer algo, também faz. Particularmente eu gosto de fazer algumas coisas. Não vejo como gasto de tempo mas como cuidado e lazer até.
- Diminuição das expectativas. Não me cobro ter uma casa limpa e arrumada 100% do tempo, como seria tendo funcionários em casa. Estou super ok com isso. Para mim, é importante que a rotina seja leve e prática.
- Planejo o menu da semana para garantir que todos tenhamos comida a semana inteira. Em semanas de lançamentos, não me importo de pedir delivery e deixar outras coisas de lado.
- Ah, e é claro: tecnologia ao nosso favor. Também tenho o robô aspirador rs
Achei que seria um compartilhamento interessante neste blog e, por isso, trouxe para cá. 😉 Espero que tenha sido útil de alguma maneira.
Os pontos levantados sobre a questão das domésticas foram extremamente necessários, fui criada por uma e sei como são as coisas.
Obrigada pelo post!
Amei o post! Super necessário. Eu me sinto “deslocada” de ter uma pessoa aqui (só tenho as vezes quando tenho condições de pagar). Marido trabalha o dia todo fora. Eu acumulo: 2 filhos (não tenho condições de pagar colégio integral) pequenos, home office + a maior parte das tarefas da casa… resultado= quase perdendo o trabalho… Ainda moro longe da famÃlia.
*ThaÃs, quero aproveitar e agradecer! Quase nunca comento, mas estou aqui desde o inicio, você me ajuda taaanto! Não tenho condições de fazer cursos pagos ( sei que as vezes tem vaga social – mas não me inscrevo pq sinto que tem gente que precisa mais do que eu). Mas cosigo usa *MUITA* coisa gratuita que você ensina. Só tenho a agradecer. Obrigada <3
Oi ThaÃs!! Eu amo seu conteúdo!! Sigo você há bastante tempo, e creio que esse post é um dos mais significativos pra mim. Eu também me sinto incomodada de ter alguém limpando meu banheiro, arrumando minha cama… mas ao mesmo tempo sempre tive o pensamento de “não querer perder tempo com limpeza e arrumação de casaâ€, e só recentemente fiz as pazes com isso: consegui encontrar prazer em tornar meu cantinho limpo, organizado e aconcheganteâ€. Mas isso foi a partir do momento em que comecei a estudar sobre organização e qualidade de vida com você. Desde que me tornei mãe tive a necessidade de ter ajudante em casa, pois eu e marido trabalhamos fora, e precisamos de alguém principalmente para ficar com o filhote (não temos colégio integral na cidade). Mas nós tratamos com muito respeito e garantimos todos os direitos da pessoa. Valorizo muito esse tipo de trabalho, como o de alguém que “dobra meu paraquedas, de forma que ele realmente funcione quando eu saltarâ€. Eu li isso em algum lugar, sobre um militar que ao voltar de um combate, vivo, agradeceu a pessoa que dobrou o seu paraquedas, pois se ele não fosse eficiente no seu trabalho, o paraquedas não abriria e militar não estaria vivo. Cada dia mais sua fã ðŸ˜. Gratidão!! ðŸ™ðŸ»ðŸ™ðŸ»
Esse post está muito alinhado com o que estou vivendo hoje. Consigo manter minha casa limpa, mas não consigo dar aquela caprichada que o cômodo precisa, só a manutenção mesmo. Estou justamente pensando em ter um apoio de uma diarista para a faxina de um cômodo uma vez ao mês.
Já me ajudaria muito, mas ao mesmo tempo me preocupo. Seja com o tempo, com o dinheiro, com a real necessidade, se isso realmente me deixará confortável, etc.
Muito obrigada por me ajudar com está reflexão.
Caramba, Thais! Você é um poço recheado de boas referências e insights, adoro “te seguir” rs. Desculpe se soou meio stalker. Mas sabe, eu tenho uma extrema dificuldade em lidar com essa questão de “pagar alguém” pra um cuidado que poderia (ou deveria) ser meu! Penso de maneira muito semelhante à qual você expôs e digo mais, tenho PAVOR de ir em manicure e pedicure, por exemplo. Me dá aflição alguém ficar mexendo nas minhas mãos e pés. Recentemente também cortei o cabelo bem curtinho e comprei uma máquina pra poder aparar sozinha. Enfim, vejo que pra além da economia (já que fomos criadas numa sociedade em que praticamente TEMOS que GASTAR pra estarmos LINDAS pros nossos maridos), é uma questão de praticidade e de autocuidado. Não digo que são serviços que eu nunca vou pagar pra ter, mas realmente são coisas que não entram como gastos e compromissos fixos na minha agenda. Minhas unhas não estão feitas e as sobrancelhas não estão alinhadas e aparadas? Putz, paciência! Rs
Eu tenho uma amiga da mesma idade que eu, 29 anos, ela é diarista, ela não é valorizada e ela não estuda, não dá andamento em sonhos pois precisa trabalhar para dividir as despesas da casa e da filha com o marido. Eu li e vi ela, li e vi muitas mulheres nessa precarização, desigualdade e falta de olhar humano.
Vou pensar mais sobre isso. Obrigada.
Que post necessário Thais! É impressionante como tem gente que ainda cai na lábia desses “lÃderes” que prosperam as custas de (em sua maioria) mulheres que dão todo o suporte para que isso seja possÃvel.. E elas não levam nem um agradecimento pois o mérito é todo dos alecrins dourados que se esforçaram muito hahaha seria cômico se não fosse trágico.
Muito bom saber de sua perspectiva sobre o trabalho doméstico, Thais. Você é uma referência pra mim em vários aspectos. Como mulher negra (apesar de ser de classe média), realmente me incomoda demais ver como as relações com as trabalhadoras domésticas são um retrato cruel da sociedade racista, patriarcal e capitalista em que vivemos. E limpar a própria sujeira passa também por uma questão ética, eu acho. Obrigada pelas dicas!
Excelente reflexão sobre o trabalho doméstico!
Também compartilho de uma opinião parecida. Hoje, optei por morar em conjugado, pois, menos móveis, imóvel menor para limpar, menos tralha e o tamanho do ambiente me atende super bem. Outra coisa que me preocupa é ter um “estranho” dentro de casa. A segurança dos dias atuais não lhe permite confiar em ninguém. Sem contar que aquela pessoa vai saber da sua rotina, do seu trabalho, da sua vida. Não dá para saber o que ela vai fazer com essas informações.
Não fico na neura de manter a casa arrumadinha todo o tempo, vivo bem assim. Mas quem opta por ter funcionários em casa, tudo bem.
Caraca! Fiquei bem tocada com esse texto Thais! De fato, é criada essa cultura de que no auge do nosso sucesso, vamos poder terceirizar tudo que é “ruim” e só focar em ganhar dinheiro, mas acho meio abusurdo isso. Com isso surge essa idéia de que somos capazes de mudar a realidade de alguém pq estamos dando a oportunidade dela limpar a nossa casa, bizarro!
Gostei muito da sugestão dos setores dentro dos cômodos, principalmente a cozinha. Mais uma vez, obrigada!
Me admira demais a sua consciência social e polÃtica. Quando crescer quero ser como você. ☺ï¸
Thais, será que se o seu marido tivesse um trabalho formal , fora de casa, você não estaria na condição dos que contratam alguém para as tarefas domésticas? Sei e você também sabe que a posição que você ocupa é de privilégio uma vez que tem um parceiro que cuida de tudo (ou grande parte) permitindo assim que você possa se dedicar em tempo integral ao seu trabalho. Ter alguém nos bastidores dando todo o apoio é que forma esses “lÃderes de sucesso” que despontam: sejam eles homens ou mulheres. Outra questão: Essas mulheres que trabalham como domésticas e deixam suas casas, se tivessem qualquer outro trabalho, não estariam também deixando suas casas para outras cuidarem? Ou então ao chegar em casa do trabalho, elas mesmas enfrentariam um 3º turno?
Gostaria de saber sua opinião. Sou sua aluna e te sigo a muiiiiito tempo.
Já tivemos essa condição e limpávamos a casa no final de semana.
Sobre contratar, você pode, com todos os direitos trabalhistas.
EU, Thais, prefiro fazer de outra forma (aqui é simplesmente pessoal e não um julgamento moral).
Reflexão muito interessante ThaÃs. Confesso que me deixou desconfortável com minha realidade, mas pensando bem, eu já estava. Inclusive vim pensando nesse incômodo hoje no caminho para o trabalho. Muito oportunas suas colocações. Muito obrigada.
Também não há empregada aqui por casa, fazemos nós tudo e temos trabalhos de topo (responsabilidade e remuneração). Quando comento que não há ajudas para além de nós, ninguém acredita, ou pergunta “como é possÃvel?!â€, “como consegues?!â€, respondo “com organização e planeamento “ ☺ï¸
Que legal Thais.Meu pensamento é muito parecido com o seu nesse sentido â¤ï¸Me identifiquei demaisâ¤ï¸
Nova por aqui e simplesmente amei os conteúdos que vc compartilhar.
Adorei esse post e curiosamente cheguei ao seu trabalho, ainda lá no inÃcio, 2000 e muito pouco, por conta de uma postagem em que você contava não ter ajudante em casa. Vivo essa mesma situação, um pouco por perfeccionismo: quero tudo bem feito e nunca encontrei alguém que fizesse como eu faço, só que, mesmo trabalhando em home office desde o inÃcio da pandemia, não tenho conseguido dar conta de tudo e atualmente estou cogitando contratar alguém para alguns trabalhos pontuais, tipo lavar janelas que simplesmente não tenho dado conta.
Sim, me ajudou demais. Muito obrigada por existir, ThaÃs.
Que post maravilhoso, estou salvando aqui pra sempre ter como referência. No momento, eu tenho uma moça que limpa minha casa e meu consultório 1x/semana. E me sinto mal por isso porque concordo totalmente com o seu ponto de vista. E eu quero muito poder não ter ninguém. Até pra que ela possa ter um emprego em condições melhores, não sei. Penso nela também mas não sei se ela escolheria ter esse trabalho se pudesse escolher. Acho fantástica sua escolha, Thais! Parabéns!