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E se tudo desse errado?

Quem não se contenta com pouco, não se contenta com nada.

Epicuro

Lendo o capítulo de hoje do livro “The Daily Stoic” (leio diariamente há alguns anos), com um trecho do “Moral Letters”, do Seneca, eu lembrei de uma questão que o Tim Ferris traz no livro “Trabalhe 4 horas por semana”. Essa questão é a reflexão do “o que de pior pode acontecer se você tentar viver a sua vida de determinada maneira e supostamente não der certo?”.

Eu fiz essa reflexão pela primeira vez em 2008, quando pedi demissão da agência de publicidade que trabalhava na época porque estava infeliz. Eu já contei um pouco sobre essa fase em um vídeo onde eu falo sobre o vazio do minimalismo que senti quando entrei nessa época de desapego total. E quero dizer que eu só consegui fazer o que eu fiz pela vida de privilégios que eu levava. Eu morava com o meu pai e a minha avó, em uma casa própria dela, e eu poderia viver do meu fundo de garantia até conseguir um novo emprego ou descobrir o que eu queria fazer da vida. É uma pena que eu não tenha documentado muito dessa época aqui no blog, mas foi um momento em que precisei me afastar de tudo mesmo. Comecei a pintar, lia pra caramba (mais do que o normal, para mim), escrevia poemas, viajei, fiz trilhas e todo o “package” da jornada individual meio beatnik que estava urgente dentro de mim.

Não tinha lido o livro do Tim nessa época (nem tinha sido lançado ainda), mas a reflexão que fiz foi meio que essa.

Só depois de ler o livro dele, entre 2013 e 2014, que eu refleti sobre essa questão profundamente, pois eu estava bem naquele momento em que queria trabalhar com o Vida Organizada mas não sabia como iríamos nos sustentar. Para quem não sabe, na época a gente morava em Campinas (interior de SP) porque eu trabalhava lá. Meu marido vivia da música e pagávamos aluguel, todas as contas, escola do Paul, vocês sabem. E eu estava novamente com aquela urgência interior mas desta vez foi diferente porque, ao contrário de 2008, eu queria mudar porque eu sabia o que eu queria. Queríamos voltar para SP e uma série de outras motivações além da mudança com o meu trabalho estavam na mesa.

E aí eu me deparei com essa pergunta do Rim: o que de pior pode acontecer? “Desenhe o pior cenário”.

Naquela época, o pior cenário seria ir morar na casa da minha avó novamente – mas, desta vez, casada e com um filho. Mais uma vez: que privilégio. Se eu não tivesse essa segurança habitacional eu não teria feito. Por isso ainda acho tão compassivo quando uma pessoa que fale sobre finanças aborde sim a importância de se ter um imóvel próprio. Por mais que você tenha que fazer manutenção, pague taxas etc., é um bem seu.

No final das contas, não deu errado. Não precisamos ir morar com a minha avó. Conseguimos sustentar a nossa família com o meu trabalho e o do marido com a música, e aos poucos o Vida Organizada foi crescendo e trazendo maior estabilidade financeira para esse trabalho acontecer para sempre. Às vezes eu tenho até um pouco medo disso, mas eu sinto que já dei “check” ✓ nisso na vida, sabe? E que cada dia vivido aqui neste planeta é como se fosse hora extra. Eu já fiz a minha parte. Já deixei o meu legado. Eu poderia morrer hoje com uma tranquilidade mental sobre como as coisas foram feitas na minha vida.

Essa meditação sobre a morte vem do Budismo e está sempre presente. Pensar “e se eu morrer hoje?” não é sobre ter um tom fúnebre – pelo contrário. É sobre você aproveitar cada dia como se fosse o último, porque em algum momento pode realmente ser. Eu fui feliz? Abracei meu filho o suficiente? Disse o quanto amo minha mãe, meu marido e falei para as pessoas que convivem comigo o quanto gosto delas e elas são importantes para mim?

A motivação para escrever o post veio de eu me pegar muitas vezes, nos últimos meses, preocupada com o modelo de negócios da empresa, o faturamento em tempos de crise, todo mundo que é envolvido e sustentado por esse trabalho, minha dedicação ao Doutorado e o sentimento que todo mundo sente de vez em quando de achar que não vai dar conta de tudo o que selecionou como essencial na sua vida. E essa reflexão estóica, que provavelmente também foi a inspiração do Tim, sempre me ajuda em momentos assim. O que de pior poderia acontecer?

Sêneca diz algo como: você tem que se preparar para as crises quando você está bem e não quando está dentro delas. Revisar todos os aspectos da vida para realmente tirar o que não for essencial e, como diz o Thoreau, “aproveitar a essência da vida”.

Nos enveredamos por tantas coisas e atividades que nos esquecemos que tudo isso são meras distrações para o nosso tempo de vida. No final das contas: estamos felizes AGORA? Ou estamos apenas “trabalhando por esse momento”?

Se o pior acontecer, felizmente temos a nossa casa, tenho livros suficientes para ler para o resto da vida, Paul estudaria em uma escola estadual, e o pouco que ganhássemos provavelmente seria o suficiente para pagarmos as contas e nos alimentarmos. Já é uma vida privilegiada pacas para quem mora no Brasil e eu sou muito grata a ela, pois são esses mesmos privilégios que me deixam mais tranquila para viver sem tantas preocupações. Infelizmente nem todos tem essa segurança, e por isso vejo que meu papel no planeta não está de forma alguma cumprido, como falei há pouco acima – ainda há muita gente a ser ajudada, muita desigualdade social a ser combatida e um montão de coisas que podemos fazer neste planeta para ajudar os seres vivos a se libertarem dos sofrimentos.

Dado isso, continuemos.

Thais Godinho

Thais Godinho

Meu nome é Thais Godinho e eu estou aqui para te inspirar a ter uma rotina mais tranquila através da organização pessoal.

30 comentários em “E se tudo desse errado?”

  1. Que texto lindo e necessário. Tocou muito em mim. Sempre acompanho os posts aqui no blog mais do que outras redes. Adoro esse formato. Obrigada por seguir compartilhando aqui <3

  2. Nossa esse texto parece que foi escrito pra mim nesse momento exato ! Sua frase “aquela urgência interior ” , me deu uma clareza muito grande sobre uma decisão importante que preciso tomar .

    Muito obrigada pelo seu conteúdo

  3. Olá, Thais! Tudo bom?
    Só estou aqui para dizer que amo muito o blog. Entro quase todos os dias, para ver se tem novidades. Adoro ler seus textos.
    Não tenho o hábito de fazer comentário, mas só queria dizer que seu trabalho significa muito para mim. Aprendo muito por aqui. Obrigada! <3

  4. Obrigado por compartilhar isso. Ainda mais nesse período do ano que nao sei pq, mas eh qd dá esses embrolhos na minha cabeça de querer mudar todos os rumos da vida (virginiano), dai vem os medos e obrigações da vida, e tudo segue como sempre foi, ou entao sai alguma mudança pequena pra enganar. Te acompanho a muito tempo, senti falta dos textos enquanto esteve de férias. Essas pilulas diarias ajudam muita gente. Força sempre. Amém.

  5. Amei o texto Thaís!
    Procuro selecionar muito bem o que vejo na internet, o VO é sempre a melhor escolha.
    Muito importante fazer reflexões fora das crises, pois, muitas vezes, vamos apenas vivendo na “correria” e só paramos pra pensar quando dá tudo errado.
    Você está sempre nos encantando e inspirando!
    Seus ensinamentos e exemplos já mudaram, pra melhor, inúmeros aspectos da minha vida, obrigada!

  6. Esse é um dos seus textos mais lindos que li. E justamente no momento que eu precisava. Eu que me pergunto como é possível criar uma nova vida pra mim. <3

  7. Obrigada por esse texto, Thais! Me relembrou o quanto sou privilegiada e me “preocupo” por ansiedade. E o quanto ainda posso contribuir por um mundo melhor 💛✨ Reflexões pé no chão são sempre bem vindas.

  8. Muito boa reflexão Thaís, como sempre aliás…

    Confesso que eu não tenho coragem de pensar no pior cenário, só de cogitar esse pensamentos já fico com taquicardia e dor de cabeça. Mas é uma reflexão essencial para que permaneçamos serenos diante das atribulações.

  9. Que texto bonito e importante! É um momento coletivamente difícil em relação à saúde. No Brasil, vivemos contorno bem doloridos com a crise política e econômica.
    Espero que você e todos nós possamos atravessas esses tempos com equilíbrio e clareza.
    Eu também estou fazendo doutorado. Você me ajuda muito compartilhando suas experiências e pensamentos.
    Vim compartilhar um livro que li e me ajudou muito por trazer essa temática. Vou colar aqui embaixo um resumo. Espero que você goste. Fala de vários assuntos que você tematiza, inclusive da cultura do sucesso no neoliberalismo. Chama “Esforços olímpicos”, de Anelise Chen;
    Um abraço,
    Renata

    “Vencer é mesmo importante? Falhar é uma falta mortal? Tais indagações atravessam este romance de estreia de Anelise Chen, uma nova e original voz na ficção contemporânea, que figurou em 2019 entre os cinco melhores livros de autores com menos de 35 anos numa seleção anual promovida pela prestigiosa National Book Foundation, nos Estados Unidos. Tudo começa quando um dos melhores amigos de faculdade de Athena (a narradora) comete suicídio. O evento transtorna sua vida a tal ponto que ela começa a se perguntar o quanto estamos presos às narrativas de vitória. Algo que lhe é especialmente caro e relevante, pois está desenvolvendo uma pesquisa na área de esporte — o que ela acreditava que a poderia salvar do cinismo. Nessa mistura de escrita personalíssima, meditação sobre perdas e ganhos e uma série quase infindável de episódios em torno da história dos esportes, Esforços olímpicos seduz pelo brilhantismo narrativo. É, além disso, uma profunda reflexão sobre não se deixar abater pelas inevitáveis derrotas propiciadas pela vida.”

  10. Excelente texto e reflexão Thais. Eu estou lendo o livro do Tim para o Clube do Livro do Acampamento.. estou adorando, ele realmente nos instiga a reflexões semelhantes às que você fez aqui. Aliás, o Daily Stoic também leio (quase) todos os dias – mais influenciada por você, impossível, né.. hehe
    Mas engraçado que me ocorreu este pensamento lendo o livro do Tim mesmo: será que a Thais tomou a decisão de largar o emprego ao lê-lo? e aí aqui não só a resposta, mas todo uma reflexão e tanto, tanto aprendizado.. obrigada por compartilhar TANTO conosco!

  11. Thais, seu post foi um alento pra mim🙏
    Justamente no dia da publicação do seu texto fui demitida depois de 16 anos, me senti horrível. Foi inesperado e totalmente doloroso.
    Este sentimento de perda e falta de direcionamento me fez entender como é importante termos uma base interna e uma caminho pessoal para nos guiar.

    Gratidão 🙏

  12. Boa tarde Thais, tudo bem!!

    O dia que você escreveu este post eu recebi uma notícia que de acordo com os estoicos é um grande obstáculo!!

    E sem dúvida conhecer você e, ter a oportunidade de ler O OBSTÁCULO É O CAMINHO somado ao meu pilar espiritualidade, fez total diferença, e por isto sou grata a você!!

    Em outro momento eu deixaria minhas emoções me consumir e assim afastar o resultado que desejo para este obstáculo, com este aprendizado encaro um dia de cada vez, coloco meus talentos à todo vapor, com a certeza que vou superar este obstáculo e, me tornar um ser humano melhor!!

    Hoje é dia 15.09 e de acordo com o discorrer do dia, ler agora fez total diferença. Agradeço mais uma vez!!

    Grande abraço!!

  13. Fiquei emocionada com seu texto. Achei ele simples, intimista e sensível.
    Obrigada!
    Largamos tudo no Brasil, pegamos nossas economias e viemos viver 6 meses na Espanha pensando assim: Qual o pior cenário possível se tudo der errado?
    Óbvio, uma escolha baseado no privilégio de termos boas economias.
    Nunca tive vontade de ir embora do Brasil, mas o cenário político e econômico atual acertou em cheio minhas esperanças de um país melhor. Talvez eu tenha vindo para Europa apenas pra renovar essa esperança de que meu país merece um futuro melhor.
    “Esperança não é esperar, é caminhar”.

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