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O que é ser frugal?

Tenho usado esse termo bastante ultimamente e diversos leitores têm me pedido para escrever mais sobre o assunto. O post de hoje então traz a minha visão atual sobre o que significa ser frugal e como eu a aplico em minha vida.

O conceito de frugal pode ser associado ao conceito da simplicidade voluntária. Também está relacionado ao minimalismo, apesar de este ter uma pegada “mais elitizada”. Ser frugal é economizar, mas essa é uma versão muito resumida da coisa toda, porque não é exatamente a pessoa ser “pão duro”. É um pouco mais abrangente. É uma pessoa que economiza não apenas para guardar dinheiro, mas com outros princípios. Esses princípios podem ser, como por exemplo, ter uma vida mais segura, mais prudente. Também tem a ver com repensar o consumo, os recursos do planeta. Não tem a ver apenas com dinheiro, mas também com comida, com o tempo gasto. A pessoa frugal é aquela que não gosta de ostentação, de desperdício ou de extravagâncias. Você nunca verá uma pessoa frugal comprando um tênis de marca e postando nas redes sociais, por exemplo.

A frugalidade também tem um teor espiritual. Os franciscanos, por exemplo, ou os monges budistas. Também tem a ver com a proteção ao meio-ambiente, em um espectro mais amplo. Quando você repensa o consumo, impacta na produção, que impacta no produtivismo e em toda uma cadeia de extração e exaustão dos recursos naturais.

O primeiro livro que li que trazia essa noção de frugalidade – e foi quando me identifiquei com esse estilo de vida – foi o “Walden, ou a vida nos bosques”, de Henry Thoreau. Eu li esse livro pela primeira vez em 2007 ou 2008. Lembro que, na época, eu já era uma pessoa com poucas posses. No entanto, achava que poderia simplificar ainda mais. Tive sérias ideias sobre mudança de casa, cidade e país, estilo de vida mesmo. Não queria mais viver em SP. Foi um período interessante da minha vida porque aprendi muito com ele. Depois disso, veio o Budismo, e aprendi sobre o Caminho do Meio que, acima de tudo, mostra que o mundo está na nossa cabeça e em como nos relacionamos com ele, e não necessariamente no lugar onde vivemos. Em resumo, eu não precisava ir para a Índia para meditar e ser budista.

(Apesar de essa ser uma ideia maravilhosa)

Nós, brasileiros, sabemos o que é viver em crise. O país tem muitos miseráveis. O nível de pobreza é altíssimo. A chamada classe média depende de oscilações da economia. Só os verdadeiramente ricos não sofrem com tais oscilações, mas isso independe do país onde vivem. No Brasil é particular porque temos condições bancárias e de crédito esquisitas. Nunca vou me esquecer do Ben Zruel quando ele disse: “o Brasil não permite que a gente seja amador com relação ao nosso dinheiro”. Porque, por falta de informação, ficamos devendo um dinheirão, pagamos juros altíssimos, e isso pode acabar com a vida de uma família.

Você pode dizer então que a maioria dos brasileiros não tem a escolha de ser ou não frugal, de ser ou não minimalista. Infelizmente, o buraco é mais embaixo. O consumo reflete questões culturais – e a cultura se reflete no consumo também. Muitas vezes, o consumo de um produto é uma estratégia de inclusão social. Porém, com a desigualdade que vivemos, isso faz com que uma pessoa parcele em 12x um telefone celular que custa 6 vezes o valor do seu salário ou então que compre um boné roubado ou pirateado apenas para ter algo de determinada marca, para que ele “faça parte”. Questões complexas não são resolvidas com respostas simples. Então não, não é todo brasileiro que é frugal ou minimalista por necessidade. Uma pessoa pode ser pobre e ainda assim se endividar, consumir muito enquanto tem crédito, ou usando o nome de terceiros.

Eu vejo a pessoa frugal como aquela que sabe aproveitar os seus recursos da melhor maneira possível – e aqui sim entra uma quantidade enorme de brasileiros, que faz do limão uma limonada diariamente. Isso serve essencialmente para o tempo – sim, o tempo de vida, do dia, da semana. Não há desperdício, o que não significa que você vai ficar correndo que nem um hamster na rodinha também. Significa que não há desperdício. Que cada hora é aproveitada da melhor maneira possível. Você não fica 1h de madrugada scrollando o Facebook se pode usar essa hora para dormir.

O desperdício se refere aos alimentos também. Você compra a cebola e aproveita todas as partes dela – o caule, tudo. Você aprende a gerar menos lixo. Evita comprar coisas para não ter que lidar com uma embalagem. Reaproveita objetos – o que é diferente de ser acumulador – outra forma de desperdício. E é claro que esse evitar desperdício diz respeito a dinheiro também. Se você tiver que pagar uma conta de hospital muito cara, você vai pagar, se tiver o dinheiro. Isso não é desperdício. Pagar uma academia para não ir é desperdício. Correr no parque é aproveitar os recursos. Estar em quarentena e alugar uma bicicleta ergométrica para se exercitar em casa ou aprender yoga é frugal. Se aplica a absolutamente todos os setores da vida.

As crises podem sim nos reeducar no sentido de implementarmos hábitos mais simples e menos custosos em termos de dinheiro. Pode ser um primeiro passo, um fator de encorajamento, por exemplo. Mas não é necessário passar por uma crise para viver assim. Pode ser um insight espontâneo seu, uma vontade de perceber que não rola desperdiçar vida e recursos pessoais, especialmente quando você já não tem muito. Eu acredito sim que todo ser humano se beneficiaria de um estilo de vida frugal. Não há nada mais desumano que a existência de bilionários em um mundo onde há pessoas morrendo de fome.

Ter um estilo de vida frugal envolve estar atenta/o o tempo todo à vida. Cuido do meu tempo com carinho. Cuido das minhas coisas para que durem mais. Busco uma vida cada vez mais sem lixo. Cuido dos meus gastos, do meu dinheiro. Cuido da minha saúde. Me alimentar melhor significa gastar menos dinheiro com remédios. A gente pode achar que ser frugal sempre vai cair na questão financeira, mas acredito que tenha mais a ver com parcimônia de modo geral, e isso reflete em todos os aspectos, inclusive o dinheiro.

É complexo diferenciar o frugal do minimalista sem fazer um julgamento de valor, e eu particularmente procuro sempre tomar cuidado com isso. Mas vou tentar trazer um exemplo relativamente simples de abordar: livros.

Uma pessoa minimalista pode comprar um Kindle (leitor de e-books) e não ter nenhum livro impresso em casa. Isso é totalmente minimalista. No entanto, a cadeia de produção do Kindle envolve um sistema de exploração e extrativismo muito mais prejudicial que o dos livros em papel. Um Kindle custa 200, 400, 1200 reais (tem vários modelos). Com esse dinheiro, você consegue comprar vários livros impressos, e o livro impresso, por ser de matéria orgânica, se decompõe mais rápido na natureza. Além disso, não depende de recursos de eletricidade (para carregar) e Internet.

De modo geral, acredito que tanto o frugal quanto o minimalista sejam boas pessoas, que estão querendo uma sociedade melhor, e estão fazendo a sua parte, mais do que outras. São estilos diferentes de vida que enxergam no consumo excessivo uma característica complicada da sociedade. Portanto, focar nas diferenças entre eles, para mim, é improdutivo. O foco deveria estar no inimigo comum, e não em apontar diferenças entre pessoas que lutam mais ou menos pela mesma coisa.

É muito difícil você se reconstruir. Eu me considero no meio desse processo. Nunca me identifiquei como uma pessoa minimalista, porque eu gosto das minhas coisas. Gosto de ter uma biblioteca de livros. Mas eu tenho um iPhone, por exemplo. Quando fui trocar de celular, há dois anos, queria um bom celular que me permitisse tirar fotos boas e gravar vídeos para criar esse conteúdo que eu crio no meu trabalho. Analisando as opções, mesmo sendo mais caro, parecia ter um custo benefício melhor. Uma pessoal frugal nem teria um smartphone, eu acho. Compraria uma câmera e evitaria um celular com tantas distrações. Mas eu também acho que não tem uma regra que todos sigam. Penso que, em primeiro lugar, é pessoal, e diz respeito à consciência de cada um, assim como é uma construção mesmo. Você vai aprendendo a ser frugal, e isso envolve repensar hábitos de maneira geral, diariamente.

Em resumo, acredito que ser frugal é obter o máximo da vida, no sentido de aproveitar bem cada recurso – seja tempo, nível de energia, natureza, dinheiro, objetos, relacionamentos. Sem desperdícios, sem abusos, sem ostentação. É uma vida discreta, ligada à natureza, disciplinada e feliz. É assim que me identifico com esse estilo de vida então, e como tenho buscado viver cada vez mais os meus dias.

Autor

27 comentários em “O que é ser frugal?”

  1. Que texto!!!
    Acho que sou um pouco essa pessoa <3
    Interessante que desde bem pequena, sempre gostei de ter o essencial, não gostar de gastar por status ou pra aparecer em rede social.
    Essa vida simples me livrou de muita cilada onde eu via meus próprios amigos se metendo, como o consumismo de marca.

    Ser assim é aproveitar mais a vida, a verdadeira vida!

    Parabéns Thais por mais um texto leve e reflexivo <3 Vc é luz!

  2. Thais, você já ouviu falar bo Mottainai? É uma filosofia japonesa contrária ao desperdício, acho que caminha muito com o conceito Frugal que você explicou (eu não conhecia esse termo, achei interessante). Mottainai fala sobre o desperdício físico (quando você deixa comida no prato, por exemplo, tem o desperdício da comida em si), energético (o desperdício de energia de todas as pessoas que participaram do processo de cultivar, transportar, preparar o alimento que você vai jogar fora) e o mottainai de você ter talento/habilidade para algo e não usá-lo (essa é minha parte favorita, quantos mottainais fazemos todos os dias em não nos deixarmos ‘brilhar’)… Para refletirmos.

  3. Thais, que post maravilhoso. Eu acho que enxergava ser minimalista e ser frugal como a mesma coisa, obrigada por mostrar a diferença.
    Estou no início desse caminho da frugalidade. Já fiz seu curso “Organize seus estudos”, estou fazendo seu curso gratuito essa semana e lendo seu livro “Vida Organizada” no momento. Você tem me ajudado a deixar o perfeccionismo de lado e a me organizar com o que eu tenho. Eu era aquela pessoa que precisava comprar o caderninho perfeito pra começar um bullet journal… ou emagrecer para fazer um armário cápsula. E você tem me ensinado a viver o agora e a minha realidade, não as minhas expectativas. Na minha cabeça, isso também está relacionado a ser frugal. Obrigada!

  4. Pedro Teixeira rodrigues

    Thais muito bom ler tudo isso, obrigado de verdade! É um estilo de vida que busco diariamente e nem sabia que tinha um termo específico.

  5. Thais, quero te parabenizar pela profundidade com que vc escreve seus textos. Adorei o de hoje. Realmente temos que, cada vez mais, fazermos escolhas mais conscientes. É uma questão que valeu muito ser levantada. Quem sabe vc não faz a live sobre este assunto? Fica aí a sugestão rs.

  6. Excelente post. Tenho ido pelo caminho minimalista já há alguns anos, e o momento que o mundo está passando tem me feito pensar no frugalismo.

  7. Adorei este post, tanto! Percebi que sou frugal desde sempre em essência, mas me distraí com o consumismo nos últimos anos e o minimalismo serviu como um recurso de retorno. Sou apaixonada por esse livro desde que você falou dele aqui no blog, anos atrás!

  8. Seus textos são ótimos, Thais! Admiro muito o estilo frugal e confesso que gostaria de introduzir na minha vida. Já tentei o minimalismo, mas não consegui alcançar aquele extremo da casa branca e sem nada, só com móveis caros e maravilhosos hahaha. É muito importante destralhar, como destralhei, mas têm coisas as quais nos apegamos -e ta tudo bem.
    Meu medo de adotar uma vida totalmente frugal é de virar hippie e ficar alienada da vida. Acho que você encontrou um bom equilíbrio, pois mantêm-se conectada, mas foge dos excessos.

  9. Olá Thaís,
    Hoje conversando com uma amiga ela comentou da cunhada.Ela tem 4 filhos (2 menores de 5 anos) não tem trabalho e vive de auxílios sociais e ajudas.Quando ela recebeu o auxílio comprou cervejas e fez farra.Fiquei chocada com a irresponsabilidade, fora que não tem tido nenhum cuidado com a COVID.
    Então irresponsabilidade financeira não é só para quem tem dinheiro.Vim de uma família pobre e sei que muita gente em condições paupérrimas conseguem gastar muito mal o quase nada que tem.

  10. Olá Thais! Texto interesantísimo. Mas fiquei com a impressão que sua descrição de frugal leva ao entendimento de alguém desapegado, o que pode ter suas diferenças. O conceito é usado no mundo corporativo pela Amazon (#frugality) como um dos mantras do Jeff Bezos, bem na linha do “não vamos desperdiçar tempo” , tipo feito é melhor que perfeito. Enquanto as questões ambientais e de consumo tb fico na dúvida se há encaixe com ser frugal.
    Valeu pelo post!

  11. Descobri que sou essa pessoa, só depois de dez anos morando numa casa de barro erguida por mim, meu marido e dois filhos pequenos e tentando explicar pras pessoas como eu me vejo próspera por isso, o ar que respiramos, a água que bebemos, a infância que ofereci aos meus filhos- tive o terceiro aqui; tentando explicar que pra mim esse é o melhor patrimônio que eu poderia oferecer à eles é que descobri o livro a vida nos bosques. Todo o profundo aprendizado sobre essas práticas de menos um lixo, consumo consciente, a saúde de comer o que se plantou…
    Confesso que meus pertences NÃO cabem num carrinho de mão! KKKK Mas a vantagem de aprender o nomear esses princípios e através da leitura do seu blog é enorme!
    Como sempre, sou grata por vc existir e viver do seu propósito! 🙂

  12. Não sou uma pessoa minimalista, amo livros e tenho algumas coleções a qual sou muito apegada, mas sob alguns aspectos posso ser considerada frugal.
    Não tenho carro, não tenho TV (não ia usar), máquina de lavar roupa (moro sozinha, acho que não é tanta coisa para lavar que justifique investir em uma, lavar roupa a mão faz com que durem mais, e, às vezes, uso a tarefa para praticar, mindfulness), costumo cozinhar minhas refeições, tenho horta e árvores frutíferas em vaso (customização do quintal da kitnet), faço compostagem, reciclo…
    Tenho Kindle porque ganhei um usado, mas amo e acho super prático para levar na bolsa. Meu notebook tem uns 8 anos, comprei quando estava fazendo pós, e pretendo comprar outro quando ele for pro além. Tenho 3 câmeras fotográficas, uma normal, uma instax e da lomographic, porque amo fotografar.
    Adoro quando vc coloca este tipo de texto porque é uma reflexão que devemos fazer sobre o que é importante e/ou essencial para nós mesmos.

  13. Muito interessante! Não conhecia esse termo, só conhecia o minimalismo, o que não me considero. Me identifiquei muito, porque sempre tenho uma consciência muito pesada, quase que punitiva, quando consumo plástico e outras coisas desnecessárias. Muitos alimentos já deixei de comprar pela embalagem que vinham. Esse tipo de pensamento se reflete em todas outras áreas da minha vida – odeio perder tempo com coisas desnecessárias, que não me agregam em nada. Também sempre reflito sobre onde gasto meu dinheiro, desde quando ganhava 300 reais por mês no meu trabalho, quando era adolescente. Coisa que não era comum, pois meus amigos gastariam tudo em festa. Enfim, obrigada por esse post! Sempre me senti um pouco incompreendida quanto a isso. Por mais humanos frugais que reflitam sobre suas escolhas. ♥

  14. Texto lindo, maravilhoso, estupendo!! Adoro sua escrita! Tem alma.. Sou uma frugal que acha que é minimalista.. Sua definição de frugalidade ajudou-me a me encontrar. Mais uma vez muito obrigada Thais!

  15. Bianca Lindner Schrickte

    Que texto incrível Thais! Obrigada pelo trabalho que você realiza com tanto amor. Já sigo você faz alguns anos, mas só agora estou agradecendo pela sua contribuição, influência positiva na minha vida. Tudo de melhor pra você e sua família. Um abraço carinhoso.

  16. Você comentou sobre o Kindle e sua cadeia produtiva, uma coisa que me incomoda demais é o fato do livro no Kindle não ser compartilhado. Ele acaba comigo.
    O livro físico pode ser doado, emprestado, enfim, o conteúdo caminha.

  17. Perfeita a sua análise sobre frugal, adorei.
    Hoje, vemos aqueles que não sabem os valores se ostentarem para impressionar os seus pares.
    Colecionam relógios caríssimos para combinar com cada evento, sendo que a finalidade é apenas marcar as horas.
    Carros milionários, cuja finalidade é o meio de transporte.
    Manções enormes que não tem uma família para abrigar, lares destroçados…
    Enfim, vaidade nada mais que vaidade.

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