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Budismo Beatnik

Por incrível que pareça, eu não cheguei ao Budismo procurando pela religião, mas me apaixonando por um modo de vida que foi descrito pelo meu escritor preferido (Jack Kerouac) em um livro chamado “Os Vagabundos Iluminados” (The Dharma Bums).

Nesse livro, um grupo de amigos vaga pelo mundo e um deles é budista – ou, como Jack o descreve, um “bodissatva”. Eu já tinha interesse em meditação desde anos antes, quando virei beatlemaníaca de carteirinha e lia muito sobre os Beatles no seu processo de meditação transcendental com o Maharishi, na Índia. Meu beatle preferido era (e ainda é) o George, que inclusive acabou virando hare-krishna com o tempo. Eu não me identifiquei com essa religião, mas a sementinha da meditação e da filosofia oriental foi plantada em mim.

O livro de Jack Kerouac

Beatles e o Maharishi, em 1967

George aprendendo a tocar sítara com Ravi Shankar

Hoje, depois de ANOS de estudos e práticas, vejo o quão bonita era a forma do Jack encarar o Budismo e o caminho até a iluminação. Algo muito característico do estilo de vida beatnik é a contemplação de todas as coisas. Sempre me considerei alguém assim. Minha visão de mundo até hoje é sobre viver um dia a dia contemplativo, feliz, com foco na compaixão, e tudo isso me levou a me tornar escritora e também a ingressar no Budismo Mahayana anos mais tarde.

Começar a praticar meditação foi um marco na minha vida. Comecei em 2008, mais ou menos. Em 2013, estava tendo crises de ansiedade relacionadas ao meu trabalho na época e, depois de parar no hospital achando que estava tendo um infarto (era uma crise de pânico, mas eu não sabia nem fui orientada pela equipe médica na época, completamente despreparada, o que hoje acho um ABSURDO), resolvi me inscrever em um curso de meditação e levar isso a sério, pois sabia que me beneficiaria de uma mente mais calma e controlada. Não tive qualquer critério para escolher esse curso, na época. Procurei um centro budista perto de casa (morava em Campinas) e me inscrevi no curso deles. Por coincidência, algumas semanas antes eu tinha comprado um livro sobre Budismo que era da mesma tradição, e eu tinha gostado bastante do “jeitão” do livro. Isso me fez criar ainda mais empatia com o centro que passei a frequentar. Hoje, vejo quão afortunado foi esse encontro.

Aprender a meditar com um professor foi essencial para mim na época. Pode ser que outras pessoas não precisem – e eu mesma pratiquei sozinha durante anos – mas minha prática mudou muito depois de ter feito o curso e ter aprendido algumas “técnicas”. Daquele momento em diante, nunca mais deixei o Budismo.

A escola que me identifico e faço parte é a Nova Tradição Kadampa.

Muitas pessoas pensam que o Budismo é apenas uma filosofia. Ele pode ser visto como uma filosofia, assim como existem as filosofias judaicas, cristãs etc. Mas, também como essas, ele tem o seu lado religioso, que inclui preces, liturgias próprias, datas especiais a serem celebradas e seus rituais. A partir daquele momento, eu ingressei no Budismo como religião mesmo. Posso dizer que, em 2008, eu o abraçava mais como filosofia. Em 2013, fiz a transição para o caminho como religião. (Talvez eu possa citar a palavra “compromisso” para diferenciar uma coisa da outra, pelo menos para mim.)

Penso que o principal ponto que me atraiu ao Budismo foi o alinhamento com os meus valores essenciais. Não há absolutamente nada no Budismo do qual eu discorde. O caminho do bodissatva, pautado na disciplina moral, na paciência, na compaixão, sempre com foco em ajudar os outros seres vivos, sempre fez sentido para mim. O nobre caminho óctuplo nada mais é do que um método, e eu amo métodos.

Este é um livro base da minha tradição

Lembro que, na época em que ingressei no Budismo como religião, um amigo meu me perguntou por que eu estava em um caminho religioso e não apenas praticando meditação e levando o Budismo como filosofia, pois lhe parecia uma forma mais leve de lidar com a coisa toda. Essa pergunta sempre me encoraja a fazer uma reflexão interessante. Eu entendo o ponto, mas existe algo na religião que é… eu sinto algo muito pleno, bondoso e humilde quando faço prostrações. Quando limpo e troco as oferendas do meu altar, em casa. Quando arrumo a almofadinha da monja. Quando faço as preces cantadas. Eu deixo completamente de lado o meu ego nesses momentos, e esse é um aspecto importante da prática budista, que sempre pode ser exercitada, tanto no centro budista quanto no meu trabalho, na rua, no trato com as outras pessoas etc.

O Budismo é uma religião que você pratica. Sei que todas as religiões são assim em sua essência, mas o que quero dizer é que a prática do Budismo se dá o tempo todo. Tanto em uma meditação focada quanto em uma discussão no trabalho ou na refeição que você prepara em casa para a sua família. E, comprometida nesse caminho, eu cada vez mais consigo incorporar esses valores em tudo o que eu faço. O objetivo é alcançar a iluminação, não apenas para que eu me liberte do sofrimento, mas porque, assim, eu conseguirei ajudará melhor todos os seres, momento a momento.

Muitas pessoas me perguntam como o Budismo influencia no meu trabalho, e a resposta é: é onipresente. O que eu chamo de coerência na organização, no fato de você se conhecer e aplicar quem você é em todas as suas atividades, tudo isso está totalmente alinhado com as práticas budistas que eu incorporo diariamente. Fica impossível colocar tudo em um único post, então eu só posso dizer que absolutamente TUDO o que eu faço tem a ver com o meu caminho espiritual no Budismo.

O lance de ser beatnik tem a ver com a maneira poética que eu encaro o mundo e o meu dia a dia. Cada dia importa. Cada dia é uma oportunidade de viver e ser feliz. Pode parecer piegas, mas me ajuda muito pensar dessa maneira. Cada dia é uma coisa, um jeito diferente de ver, fazer tudo. E eu busco aproveitar cada momento. Isso é mindfulness.

Por exemplo, é o ato de ir andando a pé até o centro budista, mesmo que sejam 5km. É uma oportunidade maravilhosa de andar, contemplar a vida, o trânsito, as pessoas, as plantas, as casas coloridas, os cachorros, pensar na vida, oxigenar o corpo. Significa aproveitar a oportunidade para fazer um exercício para o físico e para a mente. Não se trata de chegar rápido, mas de curtir o caminho (essa frase resume o que penso sobre produtividade!).

 

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Eu vou ficar com certeza… #cidadefalante

Uma publicação compartilhada por Thais Godinho (@thaisgodinhooficial) em

(Eu adoro fotografar arte e poesia na rua também. Acompanhe no meu Instagram pessoal.)

Muito se fala de mente plena hoje em dia, e o Budismo é totalmente sobre isso. Você se desenvolve com o tempo, à medida que pratica. GTD também ajuda muito. Está alinhado. Ajuda a colocar os pensamentos em ordem.

Ter na mente o foco em ajudar os outros me motiva a realizar este trabalho, assim como influencia todas as outras áreas da minha vida, até a saúde. Mas isso vou comentar em outros posts, ainda este mês, sobre estilo de vida. 😉

Este post foi escrito em várias etapas, em meu caderno, com papel e caneta. Mas, ao digitalizá-lo para o blog, eu o fiz ouvindo a música “Tangled up in blue”, do Bob Dylan – um beatnik de nosso tempo. Talvez você possa gostar também.

Autor

17 comentários em “Budismo Beatnik”

  1. Que T E X T O. Você é so fucking good, Thais!! Tão boa no que faz, tão boa pessoa, e ao mesmo tempo tão interessante nos seus gostos, hobbies, na sua espiritualidade… o mágico é pensar que a organização está por trás de toda essa composição.
    Sempre muito bom estar aqui!

  2. Que lindo texto.

    A vida as vezes nos leva aos caminhos coerentes para nós de forma tão despretensiosa… É fascinante quando começamos a perceber um mesmo tema se repetindo aos poucos na nossa vida até que paramos para de fato pesquisar sobre ele e percebemos que faz todo sentido para nós, nos encontramos… Foi assim comigo e a Aromaterapia, de maneira despretensiosa descobri algo que vem me abrindo tantos caminhos e que tem tudo a ver com quem eu sou, a Psicossomática, a Medicina Tradicional Chinesa, a Ayurveda, Yoga, Veganismo… vários temas que de alguma forma se conectam e me completam e também surgiram dessa forma, como um fio que vamos desenrolando. Enfim, obrigada por esse post! <3

  3. Foi procurando e pesquisando sobre livros de poesia budista que cheguei até aqui e assim que me deparei com o título “Budismo Beatnik” minha alma foi fisgada de imediato.
    Mas não é para menos, como alguém como eu, que ama os Beats e o Budismo, poderia resistir e não me emocionar ao
    ler frases como: “Algo muito característico do estilo de vida beatnik é a contemplação de todas as coisas.”,”O lance de ser beatnik tem a ver com a maneira poética que eu encaro o mundo e o meu dia a dia.”, “É uma oportunidade maravilhosa de andar, contemplar a vida, o trânsito, as pessoas, as plantas, as casas coloridas, os cachorros, pensar na vida, oxigenar o corpo.” e “Não se trata de chegar rápido, mas de curtir o caminho…”. Essa última me vez lembrar um trecho do “On the Road” do Kerouac…quando um dos personagens diz que o que importava não era o destino ou para onde eles estavam indo, mas sim a viagem, a estrada…o caminho!
    Quando terminei de ler todo o texto não pude deixar de me sentir em casa…foi como se algo me dissesse no me coração: “Olha..estão falando de você também! Existem outros e você não está sozinho!”
    Espero que escreva mais sobre a sua visão Budista/Beatnik de sentir a vida! Estarei aguardando!
    Abraços!

  4. Amei o texto…a expressão Budismo Beatnik me atraiu de imediato…
    ontem deixei um outro comentário mais longo…mas não pareceu mais..devo
    ter feito algo errado.
    Continue sempre assim! Abraços!

  5. Pingback: Revisão das minhas áreas da vida e responsabilidades – Outubro 2020 – vida organizada

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