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Eu aprendi sobre: escrita acadêmica

Pretendo fazer uma série este mês no blog comentando sobre aprendizados recentes e contínuos em áreas diversas da minha vida. Estou com um pouco de dificuldades para atualizar o blog depois de uma atualização no sistema (que deixa a interface terrivelmente não intuitiva e difícil de atualizar com textos), mas prometo que farei meu melhor para postar todos este mês.

Hoje eu gostaria de contar um pouco sobre os meus aprendizados relacionados à escrita acadêmica.

Eu comecei o meu mestrado há pouco mais de um ano e foi quando eu me deparei com essa habilidade que me tirava da zona de conforto. Veja bem: eu gosto de escrever e considero que faça isso de uma maneira relativamente competente. Mas a escrita acadêmica é totalmente outra coisa. É uma escrita baseada em referências. É como uma receita culinária: você precisa conhecer intimamente cada ingrediente e coordená-los de uma maneira que não apenas combinem entre si, mas mostrem o seu talento pessoal na cozinha e, juntos, criem sabores novos e uma experiência prazerosa para quem estiver degustando.

“Aqui você acrescenta 5 páginas de Bourdieu com uma pitada de Foucault”

Quando eu comecei o mestrado, ter que escrever dessa maneira me travava muito. Eu simplesmente não conseguia escrever. Foi quando eu “tirei da cartola” os meus conhecimentos sobre produtividade como um todo – ou seja, eu trouxe uma situação que estava fora da minha zona de conforto para um formato dentro da minha zona de conforto – e consegui “destravar”.

Ao escrever um artigo, ou até mesmo a minha dissertação (em curso), eu começo pelo propósito. Por que esse artigo é importante? Por que eu quero escrevê-lo? Por que ele seria relevante para a nossa área de atuação?

Depois, o que ele quer apresentar? Qual o resultado desejado? Sim, pode parecer esquisito, mas eu já tentava ter em mente mais ou menos a conclusão (mesmo que ela mude, depois, em alguns detalhes). Isso me ajudava muito a estabelecer um cenário de chegada. A visualizar o meu artigo pronto. A não “viajar” demais, tentando abraçar muitos assuntos.

Neste início de ano, eu tive que escrever TRÊS artigos um pouco a toque de caixa. Não que eu tenha deixado para a última hora. Eu comecei a idealizar esses artigos no início do semestre passado, ao escolher as disciplinas que eu cursaria. Analisei o plano de ensino de cada uma delas, os tópicos que seriam abordados, as bibliografias, e naquele momento já escolhi o propósito de cada artigo. Pode parecer um pouco maluco, mas fez muito sentido para mim. Consegui escrever – e, o mais importante, finalizar – os três artigos de maneira relativamente tranquila, e me senti muito produtiva ao fazer isso.

Como eu fiz?

Ao longo do semestre, fui mantendo fichamentos e leituras cada vez mais focadas. Dava menos atenção (confesso) aos artigos e leituras que não comporiam os meus artigos. Eu lia o que precisava ler para cada aula, mas dava muito mais atenção aos temas que eu estava trabalhando.

Além disso, eu aproveitei muito os meus conhecimentos e fichamentos anteriores. O conhecimento é algo que se acumula. Você não cria ideias e conceitos do nada – vejo como uma construção. Os artigos são como diários – registros da sua evolução dentro da vida acadêmica. Eles registram como a sua mente estava pensando naquela época. É por isso que praticamente todo mundo que escreve (do seu papel de pesquisador) lê um artigo que escreveu há um ano e já imagina mil coisas que poderiam ter sido feitas de maneira diferente.

Isso me ajudou a ver com um pouco mais de calma e compassividade o meu próprio processo. Meu artigo seria diferente de um artigo escrito pelo meu professor orientador, que tem pós-doutorado e uma experiência acadêmica muito maior que a minha, se ele tivesse escrito sobre o mesmo assunto. E, de maneira geral, a referência que a gente tem quando está fazendo mestrado são os textos lidos para as disciplinas e os professores que nos ensinam, o que coloca os parâmetros para a produção muito lá em cima. Não estou dizendo para você pegar artigos ruins e se basear neles, mas aceitar em que ponto do tempo e do espaço você está. E não se cobrar tanto. Você não vai escrever com o mesmo nível de repertório e de competência da pessoa que tem pós-doutorado e 35 anos de pesquisa, e está tudo bem.

E aí eu tenho a minha premissa pessoal, que é me testar a estar cada dia que passa 1% melhor do que eu estava ontem para cada um dos papéis que desempenho na minha vida. Não é uma cobrança, mas apenas um direcionamento. Ao escrever um artigo, eu não quero que ele seja perfeito – eu quero que ele esteja finalizado (essa premissa é fundamental). Depois de finalizado, vou revisá-lo para que ele fique, pelo menos, 1% melhor que o artigo anterior. Tudo bem se não ficar perfeito (e dificilmente ficará). Para mim, artigo bom é artigo terminado.

Quero levantar mais uma vez a importância dos fichamentos. Eu não tenho feito fichamentos da maneira convencional. Faço grifos e anotações nos livros, e procuro, sempre que consigo, listar em um post-it que fica dentro do próprio livro uma espécie de índice de assuntos de interesse com foco exclusivo na minha dissertação, nesse momento.

Penso que os grifos nos livros sejam, mais uma vez, apenas um registro do que é importante para mim naquele momento da leitura. Eles não servem como referência para releituras futuras – no sentido de ler apenas o que destaquei, para agilizar. Eles registram o que, para mim, era importante na época que eu li. Neste momento específico, considero os grifos importantes para a minha pesquisa atual, cujo objetivo final é submeter a dissertação. Depois da dissertação, eu vou focar em outras pesquisas e assuntos de interesse, e esses grifos terão a importância de um registro histórico, mas não descartam novas leituras completas de cada livro, pois a minha cabeça apreenderá aspectos diferentes e que considerará importantes.

Haja livro. Haja leitura. Durante o mestrado, tenho lido muito mas finalizado poucos livros. Isso porque notei que é necessário ter uma postura mais pragmática durante o pouco tempo de curso do mestrado, com foco na dissertação. Não vai dar pra ler tudo de todos.

Depois de definir o propósito e visualizar o meu artigo pronto, aí sim eu começo a fazer um brainstorm de temas. O que poderia entrar? Quais as referências que já tenho? Vou precisar ler algo novo? Porque trabalhar com pesquisa tem disso o tempo inteiro – você lê um cara, que te dá dezenas de outras referências, e você quer ler todas. Precisa dar uma segurada na onda para não perder o foco.

Vou dar um exemplo prático do que aconteceu comigo no mês passado para exemplificar essa construção que estou descrevendo.

Eu me propus a escrever um artigo baseado em alguns conceitos do Foucault. Se você não conhece, Foucault é uma das maiores referências acadêmicas, mas também conhecido por ser uma leitura complexa. Tem gente que passa a vida estudando as aulas desse cara (ele não escreveu livros – os livros que existem sobre ele são transcrições de suas aulas feitas por alunos dedicados) e ainda assim se diz amador no que se trata de entender a sua mente. Eu tive um primeiro contato com essa fama e isso se mostrou um desafio quando eu iniciei o mestrado (já tinha lido Foucault antes mas não tinha essa noção da dimensão dele na vida acadêmica do pesquisador de Humanas). Naquele momento, lá atrás, eu coloquei na cabeça que seria um desafio prazeroso escrever um artigo com base em alguns conceitos dele. Não coloquei nenhum tipo de meta formal no meu sistema, mas eu me sentia desafiada intimamente a fazer isso. Em uma das disciplinas desse último semestre, nós estudamos um livro importante do Foucault, e isso me deu a ideia de escrever o artigo sobre ele.

Eis o ponto que quero trazer: eu me considero super conhecedora dos conceitos do Foucault para escrever um artigo assim? Não. Então como eu poderia escrever algo, com respeito ao que ele ensina, com respeito a todos os especialistas no cara, e também com respeito ao meu próprio estágio iniciante como pesquisadora? Foi com esse princípio em mente que me propus a escrever esse artigo. E consegui finalizá-lo.

E tá tudo bem.

Eu penso que, uma vez que você abrace esse papel como pesquisador(a) na área acadêmica, várias chavinhas começam a virar na sua cabeça. A primeira delas, para mim, é a perspectiva de longo prazo. Isso me tira a cobrança completamente não factível de que eu tenho que ser “foda” como mestranda. Este é o momento de aprender a pesquisar. Tenho a vida toda para desenvolver essa habilidade, mas este é o momento realmente de aprender, tirar dúvidas, acompanhar de perto outras pessoas em níveis mais avançados que você.

A perspectiva de longo prazo também me ajuda a me envolver melhor com a construção. Existem temas que eu gosto. Existem temas que eu quero me tornar especialista e referência. São coisas diferentes, que receberão tratamentos diferentes, em termos de prioridade. Ao mesmo tempo, sei que os temas acabam se convergindo. Eu me interesso muito por música, por exemplo. Esse interesse pode ter nada a ver com o que estou pesquisando no momento, mas esse referencial foi importante quando escrevi um artigo sobre alta performance e produtividade, onde associei os profissionais a astros do rock, a performance no palco etc. Me deu repertório para fazer analogias bem-humoradas e criativas.

Esse período de um ano no mestrado me ensinou muito sobre o meu trabalho e sobre mim mesma. Aprendi que existem alguns temas que gosto mais do que outros, e que pretendo desenvolver muitas ideias em torno deles, sem a sensação de pressa e urgência, nos próximos anos e, quem sabe, décadas.

Tem uma outra coisa também importante quando se trata da escrita acadêmica, que é a noção de timing. Se eu quero ser referência em determinado assunto, e vai acontecer um evento com foco Y em maio, o que eu acho relevante de apresentar, levando em conta o mercado e o que já foi publicado sobre isso, que chamará a atenção para o meu artigo, me desafiará como pesquisadora e trará relevância para o mercado?

Gostaria de ressaltar a importância de você ter ao seu lado um professor orientador competente. Eu acho que coloquei os parâmetros lá em cima para o meu futuro orientador do doutorado, porque escolhi o melhor professor para o meu mestrado. Ele me ajuda a ter foco, a desenvolver o olhar para a pesquisa, a entender quando algo é relevante ou só “viagem” mesmo. Além do que, a própria presença do seu orientador é enriquecedora. Acompanhá-lo de perto, ver como se organiza, como estuda, como publica, é um aprendizado à parte dentro dos aprendizados que se tem no mestrado. Eu considero verdadeiramente uma oportunidade única. Se você estiver no mestrado, aproveite isso.

Uma das coisas que o meu professor me ensinou foi sobre a priorização dos trabalhos. É importante sempre estar produzindo, mesmo com uma pesquisa de campo em curso, mas tomando cuidado para não se sobrecarregar. Ele me ajudou a entender como desenhar meus princípios para participar de um evento acadêmico ou não, o que compensa ou não, e no que devo focar nesse momento. Tudo isso é importante porque nosso tempo é finito, e ainda mais limitado quando você concilia o mestrado com outras atividades profissionais.

Outro ponto que considero importante citar neste post é que, para conseguir escrever, pode valer a pena esquecer um pouco as referências (calma, já explico) e permitir a sua escrita livre sobre o tema que você está desenvolvendo, porque é daí que podem vir outras ideias também. Deixar essa escrita livre (sem ficar conferindo referência) é importante até para você entender que tipo de referência vai buscar para a construção do texto. Eu funciono muito bem no modo de escrita livre – no sentido de fluxo. Me permito momentos de escrita assim nos meus artigos, o que até me ajuda a destravar em alguns momentos em que posso me sentir presa nas referências, além de descobrir e desenvolver melhor as ideias que me proponho dentro daquele propósito inicial. Com base nessa escrita livre, eu busco então as referências, leio livros que acredito serem úteis (ou outros artigos), e acabo editando trechos que realmente “sobraram”.

Ainda não escrevi o artigo perfeito. Como falei antes, nem busco isso (artigo bom é artigo escrito). Mas ter essa noção de que vou melhorando a cada artigo que escrevo me ajuda a ter um parâmetro: eu mesma. Em um mundo onde todos se comparam, acho isso de uma sensibilidade e permissividade pessoal imensas.