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A arte de dar um tempo

Já faz alguns anos que eu li sobre uma prática que o Bill Gates faz, que é tirar uma semana por ano, todo ano, para pensar na vida, no mercado e em estratégias para a sua empresa (Microsoft, caso você não saiba). Chamada de “Think Week”, Gates costuma levar apenas alguns livros e documentos, viajar sozinho (longe de distrações), para assim ter um respiro, dar um tempo do mundo e conseguir mergulhar dentro de si mesmo. Depois, ele volta com tudo, muitas ideias, definições e, acima de tudo, clareza.

Obviamente, eu não estou me comparando com o Bill Gates, mas venho tentando fazer algo semelhante ano a ano. Apesar de eu não ser presidente de uma empresa tão grande e complexa como a Microsoft, eu tenho uma rotina de trabalho que pode ser considerada pesada para qualquer um, porque envolve muita produção intelectual. Quem trabalha com Internet, como eu, e além de tudo trabalha escrevendo, na verdade está trabalhando o tempo todo, pois a nossa mente não para de ter ideias. O meu trabalho não se resume a me sentar na frente de um computador e responder e-mails (e, ainda bem, cada vez menos tenho dedicado tempo a isso). Enquanto estou tomando café-da-manhã, estou pensando no artigo que vou escrever. Enquanto coloco o filhote para dormir, penso sem querer em algo que solucionará um problema que eu tenho. Se eu estiver inspirada, me sinto à vontade para, em qualquer momento do dia, abrir meu caderno e começar a escrever um texto ou planejar um projeto. Eu aproveito todas as pequenas janelas do meu dia para criar.

Gosto de dizer que o trabalho de um escritor tem geralmente dois estados. O primeiro é o da contemplação. Esse acontece o tempo todo. Todo escritor fica ligado no que está acontecendo ao seu redor, porque isso constrói um repertório de coisas que começam a fazer ligações na sua mente e compõem ideias e novas conexões a qualquer momento no futuro. O segundo estado é o estado de fluxo, quando ele está escrevendo, efetivamente. Pretendo mais falar sobre esses dois estados em um post futuro que já estou desenvolvendo, especialmente sobre a organização da rotina quando você tem essa condição de trabalho.

Com base nisso, eu posso tirar algumas conclusões sobre o meu trabalho: 1) minha mente fica em ebulição quase que o tempo todo e 2) se ela não estiver bem, eu não consigo trabalhar. E é simples assim, mas tão complexo quanto parece.

Por esse motivo, eu cheguei à conclusão, nos últimos anos, que a minha mente é a minha principal ferramenta de trabalho. Um verdadeiro patrimônio. Preciso cuidar dela com carinho. Tudo o que eu puder fazer para ficar bem, eu vou fazer. É por isso que eu venho, então, já há alguns anos, tirando férias um pouco diferentes uma vez por ano, com foco nessa renovação que a Think Week do Bill Gates proporciona: ficar pelo menos uma semana completamente off, sem pensar oficialmente em trabalho, para deixar a mente livre para criar sem obrigações.

Para explicar melhor o que quero dizer, vou descrever rapidamente, em primeiro lugar, como é o meu estilo de “férias”. Vale lembrar que não foi sempre assim e que, nos últimos 10 anos, praticamente, venho construindo um estilo de vida que me permite viver como vivo hoje. Não nasceu do nada, não “aconteceu” – eu lutei por isso.

A cada três meses, gosto de tirar uma semana para descansar a mente. Em vez de tirar 30 dias direto por ano, como é o convencional, divido em quatro semanas que tiro a cada três meses. Para mim funciona melhor dessa maneira.

Todos os dias (e isso é sagrado para mim) eu tenho um momento de lazer. Gosto de dizer que é o princípio de viver todos os dias como se estivesse de férias. Não porque vou viajar ou dormir o dia inteiro, mas porque quero que cada dia seja tão leve quanto um dia de férias. Esses momentos de lazer diários me fazem ficar bem, deixam a minha mente saudável e, mesmo em dias mais cheios, me ajudam a perceber que estou pensando em mim, fazendo algo que me faça bem. É revisar uma tradução sentada no banco do parque perto de casa. Fazer uma reunião virtual da cafeteria mais próxima. Almoçar com o meu filho. Ou simplesmente experimentar um creminho novo de noite, antes de dormir. (tenho um post aqui no blog em que falo mais sobre isso)

Acima, Paul e eu na cafeteria da Livraria Cultura em um dia desses. Eu fiz alguns planejamentos enquanto ele lia uns livros. Esse é o estilo de vida que gosto para trabalhar e a vida pessoal. Tudo integrado, sem fazer “brigar” uma coisa com a outra.

Nas tais quatro semanas de férias que tiro ao longo do ano, eu realmente desligo do trabalho. Uso efetivamente para descansar a mente. Nem sempre dá para viajar, por causa da agenda de todos da família, mas quando o Paul está de férias da escola a gente consegue. É o caso da semana que cai no final do ano ou no começo do ano novo, em que geralmente a gente vai para a praia. Nas outras, a gente pode fazer uma viagem para algum lugar mais pertinho, ou simplesmente fico em casa. Esse foi um modelo que configurei para mim a fim de ter mais qualidade de vida, e funciona bem.

Talvez, quando o Paul for maior, eu consiga tirar uma semana como o Bill Gates faz, completamente sozinha. Por enquanto (e tá tudo bem), essa semana off eu passo com a minha família, especialmente quando envolve viagens. Como eles são da turma que gosta de acordar tarde, geralmente eu tenho as manhãs livres só para mim. Então acordo, bebo água, lavo o rosto, faço a minha meditação, leio e escrevo ao ar livre, com a brisa da manhã. É uma delícia. E, durante o resto do dia, fico em estado contemplativo enquanto me divirto com eles.

Desta vez, eu optei por tirar não uma, mas duas semanas de férias completamente off. Me dei esse período de presente mesmo depois do ano incrivelmente difícil que eu tive em 2018. Eu aguentei as duas semanas numa boa, mas o pessoal começou a se entendiar e a querer voltar para casa mais para o final da viagem. Eu achei curioso como não consigo ficar entediada em nenhum lugar. É muito difícil eu me entediar, porque eu sempre tenho algo para curtir o momento – meditar, pensar na solução de algum problema, pensar sobre alguma decisão que eu tenha que tomar, ou simplesmente ficar relembrando de coisas legais da vida. Tendo a minha mente, minha diversão está garantida em qualquer lugar. Mas o que estou querendo dizer é que, com a família, talvez ficar off apenas uma semana seja ok. Mais do que isso, é exigir demais deles. rs

O que esse tipo de ritual mais me ensina é o poder de fazer as coisas mais devagar. Minha vida é um balanço entre fazer as coisas mais devagar e ficar “pilhada”, que não é um estado negativo para mim – pelo contrário. É muito natural eu ter piques diferentes e aproveitá-los da melhor maneira diariamente. Quando estou mais agitada, aproveito para fazer coisas diversas, tanto em casa quanto no trabalho. Os dias mais tranquilos, no entanto, me dão muito mais qualidade de pensamento do que quando estou na correria. Chego a sonhar (literalmente) com soluções e ideias, e aproveito a manhã seguinte, inspirada, para desenvolver aquilo que começou no sonho. Consigo ouvir mais a mim mesma e tomar decisões. É um tempo em que me respeito muito mais, física, emocional e intelectualmente. Considero essa semana off um período essencial para recarregar as energias e ficar bem em todos os aspectos.

Sobre a escolha do local, eu gosto de ir para a praia porque acredito no poder curativo e renovador do mar, mas pode ser na verdade para qualquer lugar.

Penso que, quanto mais você desenvolve um trabalho que usa muito a cabeça, mais você precisa desses momentos de relaxamento. E você não tem que ter o mesmo formato de trabalho que o meu nem ser empreendedor para fazê-lo. Use suas férias com mais sabedoria. Além disso, a semana off é apenas uma das estratégias. O importante é ter equilíbrio todos os dias, e não apenas uma vez por ano.

Nos próximos dias vou contar um pouquinho sobre o direcionamento do blog para este ano, assim como dos outros canais. Coisas que, obviamente, eu pude refletir enquanto estava de férias. 😉

Bem-vindos de volta.

Autor

14 comentários em “A arte de dar um tempo”

  1. Que bom ter você de volta, Thaís! Como você fui para a praia por uma semana, inclusive levei o livro “Trabalho Organizado” (Thaís Godinho) comigo. Incrível o livro, já havia lido o Vida Organizada, mas devo confessar que estou gostando mais desse, ele parece tão completo, parece que você contempla tudo ou pelo menos boa parte dos seus aprendizados ao longo do tempo, no blog, como personal, como mestranda, como professora, escritora, como mãe, enfim… Hoje devo terminar a leitura (o livro está totalmente marcado), devo colocá-lo na cabeceira para inúmeras e inúmeras releituras ao longo do ano, ou melhor, da vida. Gratidão! Sou sua fã eterna!

  2. Que bom tê-la de volta! Saudade desses textos/reflexões. Estou acompanhando o mês da organização, e fico muito feliz em perceber que muitas coisas já aplico, são coisas simples, mas que fazem uma diferença no nosso dia a dia. Bjos

  3. Thais que ótimo artigo! Amei! Impressionante como o que vc escreve é útil e faz total sentido em minha vida. Gratidão!! Bom retorno. Bjo

  4. Fiquei curiosa para saber como é isso de sonhar com as soluções para os problemas. Se você puder compartilhar um desses sonhos com a gente seria muito massa!

  5. Já estava esperando você lá pra fevereiro e o hábito de abrir o site automaticamente de manhã (é uma das primeiras coisas que faço ao chegar ao trabalho rs… me dá ânimo pra criar e resolver as pendências) fez ver seu retorno 🙂

  6. Uau, não poderia ter inaugurado o ano com melhores vibes!!! Muitas reflexões poderosas em um só texto!

    Que 2019 seja fantástico para vc e para nós!!

  7. Adorei ler tudo isso e me inspirar a partir da tua história e experiência, Thais. É sempre maravilhoso poder aprender com você! Muito obrigado por tudo!

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